No pessimismo, hoje, não há mais charme, poesia ou beleza, e sim letargia e conformismo. Vivemos a cultura do tudo igual, da bobeira compartilhada
Por FERNANDA YOUNG
Ser pessimista, agora, infelizmente, não é uma hipótese. Adoraria, porque sempre fui muito boa em detectar ideias malfadadas. Reclamo delas com toda a precisão e maestria. Então, é como se um talento meu fosse confiscado.
Podemos ser pessimistas em épocas como a da Bossa Nova — “o barquinho vai, a tardinha cai”, por exemplo, é um verso de melancólico pessimismo. Mas naquele tempo era possível ficar vendo o barquinho indo e a tardinha caindo sem correr perigo. A garota de Ipanema passava sem olhar para a gente, mas não havia o risco de passar um arrastão em seguida.
Dava para ser pessimista nos anos 70, pois ligávamos o rádio e escutávamos Chico ou Caetano falando da beleza da nossa luta inglória. Nos anos 80, podíamos sofrer, como Cazuza, por sermos exagerados, e depois reclamar do tédio, porque “a monotonia tomou conta de mim”. Nos anos 90, um pessimista podia se despedir dos “cegos do castelo”, junto com os Titãs, e entender, com Lulu, que “assim caminha a humanidade”. Mesmo nos anos 2000, podíamos ficar esperando pelo pior, pois continuávamos “queimando tudo até a última ponta”.
Eis que chegamos na sofrência estética dos dias atuais. Não dá para ser pessimista ao som do último funk sacana. Nem embalados pelo amor berrado, sempre no mesmo timbre, do sertanejo universitário.
No pessimismo, hoje, não há mais charme, poesia ou beleza, e sim letargia e conformismo. Vivemos a cultura do tudo igual, do mais do mesmo, da bobeira compartilhada. O pior possível vira normal após sair das manchetes. E vamos emburrecendo, ficando sem humor, sem belas metáforas, sem o caráter subjetivo.
Tornamo-nos pessimistas em nós mesmos. Como se vivêssemos de frente para paisagens lindas, mas fechados dentro de um cartório iluminado por luzes frias.
E percebo que se torna quase um dever tentarmos ser otimistas. Obrigar-nos a ver algo de positivo, nesses dias terrivelmente feios, é praticamente uma missão impossível, concordo; mas pensemos no “doce balanço a caminho do mar”. E tenhamos “coragem pra seguir viagem quando a noite vem”.