‘Criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais’, não é a tônica das campanhas eleitorais como as conhecemos?
Na semana passada surgiu a notícia de que alguns dos chamados “influenciadores digitais” brasileiros vinham sendo pagos para publicarem, no Twitter, conteúdos elogiosos sobre candidatos nas eleições de outubro, sob a cortina de agências de publicidade que estariam fazendo repercutir na internet, a soldo, “conteúdos de esquerda”. O caso ganhou ampla repercussão, não propriamente por ser novidade.
A prática é proibida pelas regras eleitorais vigentes no Brasil. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estabelece claramente que pagar por propagação de conteúdo político-partidário na internet só é algo permitido se “identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos políticos, coligações e candidatos e seus representantes”. A mesma resolução prevê ainda que a propaganda eleitoral na internet não pode empregar “meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais”.
A rigor, (ou, alguém poderá preferir, “aqui entre nós”), empregar meios publicitários, sempre pagos, para criar estados mentais, emocionais ou passionais junto à chamada “opinião pública” é a própria essência, é a própria regra e a própria realidade de qualquer campanha eleitoral tal e qual a conhecemos, e tudo dentro da lei.
O caso é que no dia 26 de agosto, a “jornalista e militante” Paula Holanda, sempre via Twitter, denunciou que uma agência de publicidade mineira lhe propôs veicular tweets “de esquerda” em troca de pagamento para propagar digamos que “a causa”, mas não demorou para que entre os briefings estivesse conteúdo elogioso ao governador do Piauí, Wellington Dias, do PT, candidato à reeleição. Em seguida, outros “influenciadores digitais”, não raro identificados como “blogueiros progressistas”, jogaram coisa semelhante no ventilador.
Rapidamente chegou-se ao nome do deputado federal Miguel Corrêa, do PT de Minas Gerais, que teria oferecido o “esquema” a políticos do PT e do PR, entre esses últimos o candidato à reeleição para a Câmara Federal Tiririca e a novata no meio Kátia Sastre, a policial militar que abateu a tiros um assaltante na porta da escola da filha, em São Paulo, em maio, cacifando-se portanto para compor o bloco da “renovação na política”.
Nem Kátia, nem Tiririca, porém, foram nomes decisivos para o caso ganhar alcance e ser apelidado, depois de “Wellington Dias Gate”, de “Mensalinho do Twitter”, uma clara alusão ao mensalão do PT, esquema de que o Palácio do Planalto lançou mão no primeiro governo Lula para manter aliada, afinal, a base aliada, levando ao limite da boca do caixa (aqui entre nós) o que á própria essência, a própria regra e a própria realidade do nosso glorioso “presidencialismo de coalizão”.
Os nomes alçados à proa do “Mensalinho do Twitter” foram, isto sim, Gleisi Hoffmann, presidente do PT, Luiz Marinho, que concorre ao governo de São Paulo, sempre pelo PT, e o próprio governador Wellington Dias, petista pivô de mais esse “escândalo”.
“A acusação da direita é geralmente alucinada e descabida, mas, às vezes, alguns ativistas de esquerda estão empenhados em torná-la verossímil”, escreveu na Folha de S.Paulo o professor Pablo Ortellado, uma das figuras identificadas com a esquerda e que, se em geral se mostra moralista nas críticas ao PT — partido que afinal personificou, em algum momento já distante, a esperança de novas práticas na política brasileira –, neste caso foi preciso ao comentar o episódio do “Mensalinho do Twitter”.
(Muitos militantes do PT parecem incorporar um personagem do conto “Troca de luzes”, de Julio Cortázar. Trata-se de uma obscura voz da radionovela argentina que um dia, enfim, recebe uma carta de uma fã, uma única fã com a qual, por ser única, acaba compartilhando o cotidiano e o amor. Com a fã idealizada transformada em companheira, morando juntos, um dia nosso protagonista muda de lugar a luminária da sala, em desesperada tentativa de projetar na vida real uma imagem ideal, o mesmíssimo jogo de luz e sombra em seu rosto, no rosto da missivista que um dia ele imaginara diferente, escrevendo-lhe em letra leve e fluida sobre os encantos de sua voz, à meia-luz de uma qualquer sala de estar de uma Buenos Aires onírica, com a penumbra da tarde vindo da janela e outros pequenos grandes detalhes. E vejam que não era a Carta Ao Povo Brasileiro… “Troca de luzes”. Mas isso é uma outra história).
Novas práticas, velhas práticas, dizíamos. Como a do governo Geraldo Alckmin em São Paulo, por exemplo, que ao longo de dois anos pagou um notório blogueiro antipetista, o glorioso Gravataí Merengue (pseudônimo do advogado Fernando Gouveia), para divulgar conteúdo… antipetista na internet; ou a nova velha prática dos apoiadores da “novidade” Jair Bolsonaro, entre cujos seguidores sempre nele, o Twitter, estão nada menos que 400 mil robôs; quase 700 mil dos quase dois milhões de seguidores de Marina Silva, da Rede (sem trocadilho), são “bots”; siderúrgicos 64% dos seguidores de Álvaro Dias na rede também são “fake”, para usar uma palavrinha da moda.
O Movimento Brasil Livre (MBL), aliás, diante da repercussão do “Mensalinho do Twitter”, logo tentou equipar esse episódio à exclusão, semanas atrás, pelo Facebook, de páginas sob sua batuta por serem notórias propagadoras de desinformação, vulgo “Fake News”.
“E agora?”, jogaram na rede Kim Kataguiri e companhia. O mesmo MBL chamou a atenção, na mesma rede, para o sumiço online nos últimos dias de Leonardo Sakamoto, figura para lá de identificada com o espectro da “esquerdopatia” que ronda o Brasil, como todos sabemos. O sumiço de Sakamoto, segundo o MBL, teria a ver com a repercussão do caso do “Mensalinho do Twitter”. O MBL publicou na internet uma fotomontagem com a imagem de Leonardo Sakamoto, “Procura-se”, e abaixo dela os dizeres: “desaparecido desde o escândalo do Mensalinho do Twitter. Foi visto pela última vez acusando o MBL de ter uma rede para manipular o debate público”.
Na última quinta, 29 de agosto, Rodrigo Ratier, irmão de Sakamoto, publicou numa rede social (desta vez no Facebook, não no Twitter) isso a que chamamos de desabafo:
“Meu querido irmão Leonardo Sakamoto está internado desde o domingo com uma pneumonia grave (…) há uma coisa que, em nome do diálogo, me seguro para não escrever, mas que hoje vou dizer: parabéns a todos os envolvidos. Mas parabéns mesmo. Esse tipo de postura é fruto do punitivismo, da acusação sem provas, das milícias digitais, das notícias falsas”.
E agora?
fonte:O&N /Hugo Souza