A Conjuração Carioca que inventou uma rede social e abalou o Império

História é um dos temas de ‘Ser republicano no Brasil Colônia’, de Heloisa Starling

A historiadora Heloisa Starling, que lança o livro 'Ser republicano no Brasil Colônia' Foto: Fernando Lemos / Agência O Globo
A historiadora Heloisa Starling, que lança o livro ‘Ser republicano no Brasil Colônia’ – Fernando Lemos / Agência O Globo

POR LEONARDO CAZES

As notícias que desembarcavam no porto do Rio de Janeiro em 1794 eram assombrosas. Na França, reis e príncipes eram guilhotinados em praça pública. Ideais de liberdade, igualdade e fraternidade saíam dos livros para as ruas numa agitação frenética. Do outro lado do Atlântico, médicos, boticários, químicos, professores e literatos ficavam fascinados pelos princípios daquela revolução.

Esses homens de ciências e letras se encontravam em concorridas reuniões da Sociedade Literária do Rio de Janeiro, que ocorriam no primeiro andar de um sobrado da Rua do Cano, atual Sete de Setembro, onde vivia o poeta Silva Alvarenga. Era na casa do poeta que eles se atualizavam sobre o que ocorria na Europa através de livros e jornais, como o proibido “Mercure de France”. Entre leituras, debates e encontros, eles sonharam com a “República do Tagoahy”.

A historiadora Heloisa Starling, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), dedica um capítulo de seu livro “Ser republicano no Brasil Colônia” (Companhia das Letras) a esta conjuração carioca. Como outros conluios do período colonial, essa também acabou delatada e com seus líderes presos. Apesar de ter sido uma iniciativa muito mais de ideias do que de ações, Heloisa destaca que os cariocas foram os primeiros a combinar república e democracia. Naquele momento, uma inovação e tanto.

— Você pode ter uma república restrita a um conjunto reduzido de pessoas. Se você pensar na Guerra dos Mascates, em Pernambuco, eles propõem uma república à moda de Veneza, em que os cidadãos são apenas a elite. A primeira vez em que se associa república e democracia é na Conjuração do Rio de Janeiro. Esses homens vão dizer que todos são iguais e, portanto, todos governam. É uma diferença extraordinária — explica a historiadora.

PONTE EUROPA-COLÔNIA

Heloisa aponta que outra originalidade da Conjuração do Rio é a preocupação com o bem comum. Na própria Sociedade Literária, havia a ideia de transformar o conhecimento científico em bem-estar do povo. Por isso, seus integrantes debruçaram-se sobre o uso medicinal de plantas nativas e da água da fonte da Carioca. Se tornaram, assim, pontes entre o que acontecia na Europa e as ruas da cidade colonial.

O fluxo de informações ocorria, assim, em três níveis: os letrados recebiam livros e jornais do exterior, traduziam e debatiam os textos. Depois, a partir das boticas, as novidades circulavam enquanto os cariocas aguardavam o preparo de seus remédios. Para Heloísa, era um primórdio do WhatsApp: cada um adaptava à sua maneira as ideias que vinham da Europa .

Capa do livro ‘Ser republicano no Brasil Colônia’, de Heloisa Starling – Reprodução

— O vice-rei começa a prender todo mundo, mas ideias vão escapando. Na devassa que ocorreu, um dos presos diz que é republicano porque lá na França a república permite que as pessoas comam bem. O outro diz que os franceses fizeram bem em guilhotinar os reis porque são uns tiranos. Elas vão adaptando os princípios aos direitos que queriam naquele momento.

Essa herança republicana, entretanto, acabou esquecida após a Proclamação da República, em 1889.

— Essa república vem de um golpe militar e é oligárquica. Não tem nada de democrática — diz Heloisa. — Já que estamos numa crise, por que não recuperar uma tradição esquecida para pensar sobre os nossos valores públicos?

“Ser republicano no Brasil Colônia”

Autora: Heloisa Starling

Editora: Companhia das Letras

Páginas: 112

Preço: R$ 69,90

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