Entrincheirado em sua cela, o ex-presidente está desorientando não só o PT, mas também o resto das forças de esquerda, que pela primeira vez poderiam concorrer unidas nas eleições para frear o ímpeto não só da direita, mas também da extrema direita valentona dos Bolsonaros
Lula, considerado um dos maiores estrategistas políticos da América Latina, poderia estar dando um grande presente à direita com sua estratégia de impedir, num momento tão crítico para as forças progressistas deste país, a união dos partidos de esquerda. Entrincheirado em sua cela e em seu castelo de onipotência, está desorientando não só o seu partido, o PT, ao qual está desidratando, mas também o resto das forças de esquerda, que pela primeira vez poderiam concorrer unidas nas eleições para frear o ímpeto não só da direita, mas também da extrema direita valentona dos Bolsonaros.
É possível que, perante a impossibilidade de disputar as eleições, impedido pela lei da Ficha Limpa, Lula queira jogar todas as suas fichas em manter a qualquer custo a liderança da esquerda, mesmo que ao preço de condená-la à oposição, deixando o campo livre para as forças conservadoras que já mostraram suas garras e sua vontade de governar. Não que não tenham direito a isso, mas, num país onde a maioria ainda vive na pobreza, onde quase 40 milhões não concluíram o ensino básico e 25 milhões os estudos secundários, num país devorado pela violência, pela desigualdade social, pelos preconceitos raciais e pela corrupção política, é um pecado deixar a nação nas mãos dos conservadores.
A responsabilidade de Lula nesta hora é grande e grave. Ninguém lhe pede que deixe de defender sua inocência, se acreditar nela, mas ao mesmo tempo tampouco pode expor o país a uma crise política com táticas puramente defensivas, que possam envenenar uma eleição já muito convulsionada. Não parece respeitoso com o país agarrar-se a qualquer estratégia, inclusive conúbios pouco republicanos com setores da direita, sacrificando as outras forças de esquerdas para se manter sob os holofotes.
Vivemos submersos numa modernidade, inclusive política, que não tem mais nada a ver com os arroubos de grandeza dos Reis-Sóis, que proclamavam “O Estado sou eu” ou “depois de mim, o dilúvio”. Toda identificação de qualquer força política com o Estado é não só um atraso tresloucado como também um perigo para a própria democracia, que se nutre da seiva de toda a sociedade que é o sujeito e não o objeto da política e da civilização.
É possível que Lula, com sua estratégia do Sansão bíblico de “morra eu com todos os filisteus”, consiga manter vivo o mito de que ele é não só a esquerda, toda a esquerda, mas também todo o país, mesmo que isso signifique colocá-lo à beira do precipício. O popular e carismático ex-sindicalista já deu provas em outros momentos históricos de entrega aos melhores valores deste país, merecendo a estima internacional. Talvez tenha chegado o momento de ele demonstrar grandeza de espírito colocando-se não como única e exclusiva salvaguarda do país, e sim se somando à caravana de todas as forças do progresso, que mais do que nunca precisam estar abraçadas e em uníssono para impedir que continue levantando-se o muro não só das desigualdades sociais, mas também do atraso cultural, da sangria da corrupção e das tentações autoritárias.
É nos momentos cruciais da história que os verdadeiros estadistas se diferenciaram dos charlatães. A receita sempre foi a do próprio sacrifício pessoal em nome do bem comum, como demonstraram os grandes e autênticos guias das sociedades em perigo, de Moisés ao profeta Jesus, de Gandhi a Luther King e Mandela. Lula já se equiparou a todos eles. Tomara que a história possa um dia inscrevê-lo naquele livro de ouro, e não no dos condenados ao esquecimento.