O filme ‘O orgulho’ acirra o debate num momento que o ultranacionalismo e o racismo avançam na Europa
A protagonista ?Neila Salah (Camélia Jordana) tem ascendência árabe e estuda direito em uma tradicional faculdade francesa, que tenta se desvencilhar de um histórico relacionado à extrema-direita. Tendo isso como pano de fundo, os pequenos preconceitos vão se mostrando já nos primeiros minutos, primeiramente no formato do racismo.
Após uma abertura no estilo documentário, com pequenos discursos de diferentes pensadores, o longa começa com a protagonista chegando, atrasada, em sua faculdade. Logo em seu primeiro contato com outro personagem (secundário) um pequeno exemplo do racismo: enquanto outros jovens (brancos) entram na faculdade sem dificuldades, ela precisou mostrar a sua carteirinha de estudante para um funcionário, que era negro – e o ator, com certeza, não foi escolhido por um acaso.
Minutos depois, o seu primeiro contato com o coprotagonista, o orgulhoso Pierre Mazard (Daniel Auteuil) – quando Neila chega atrasada em sua aula – um discurso intencionalmente ambíguo. O professor começa a provocar Neila por ela ter se atrasado. Em suas falas, preconceitos e racismos já conhecidos do público. O discurso foi feito de uma forma ambígua, intencionalmente para provocar e deixar os espectadores em dúvida se aquilo era realmente racismo ou se era apenas o discurso de uma pessoa orgulhosa.
Ao fim do primeiro debate, a turma da faculdade, que já havia participado em alguns momentos, fica dividida entre aplausos e vaias para o professor, dando um exemplo do quão fragmentado está o mundo político nos dias atuais.
Ainda durante esse debate, o filme mostra que usará, a todo momento, ferramentas atuais. O discurso do professor foi filmado por alguns alunos e postado nas redes sociais, o que gerou um mal-estar. Dessa forma, a faculdade foi obrigada a se posicionar sobre Pierre Mazard, que teria que passar por uma banca avaliadora sobre o seu comportamento. Esse trecho do filme pode ser relacionado com a música “This is America”, de Childish Gambino, que em determinado momento fala que o celular “é uma ferramenta”.
Para reduzir o impacto negativo sobre a imagem do professor e da faculdade, é sugerido a Pierre que ele ensine Neila para que ela participe de um concurso de eloquência. Mesmo se posicionando contrário, ele aceita, o que gera grande debate. Para evitar spoilers, o resumo que se tira do momento é a estratégia da “falsa publicidade” para reduzir possíveis impactos negativos.
Outro fato da história recente, que aconteceu, inclusive, na França, foi “Je suis Charlie” – uma afirmação usada depois que o jornal francês Charlie Hebdo foi alvo de um ataque terrorista, justamente por ter um conteúdo considerado preconceituoso. Em determinado momento, a produção utiliza esse fato histórico, que aconteceu em janeiro de 2015, como pano de fundo para falar sobre o discurso politicamente correto.
Talvez, se fossemos resumir o filme em uma frase, poderia ser “diploma certo, sobrenome errado”, utilizada por um dos personagens, e que explica muito bem todo o contexto da produção. Neila estava “fora do seu mundo”. Com origem humilde, estava em uma tradicional faculdade francesa, em um curso frequentado pela elite, e se preparando para um concurso que, tradicionalmente, apenas membros da alta sociedade participavam.
A todo momento, fosse no concurso ou pelo seu próprio professor, Neila era insultada. Acuada, atacava de volta, o que se mostrava mais prejudicial do que benéfico para ela em termos profissionais. Pierre, por exemplo, afirmava que ela precisava controlar o seu emocional e retrucar de outras formas, o que, inicialmente, era um problema.
O filme não fica apenas nisso. Ele explora o machismo, explora o preconceito de uma forma geral, inclusive da própria Neila. Como a própria personagem diz, quando se aprende a falar da melhor forma, normalmente se esquece como se falar de forma simples. Dessa forma, é desenvolvido certo preconceito com as pessoas que falam errado, o que também é exposto no filme – e a produção acerta bem neste trecho, mostrando, mais uma vez, a reação do oprimido.
Ademais, também é possível debater se o professor realmente era racista ou apenas arrogante. Além disso, em outro momento, ele fala que o discurso não precisa ser totalmente verdadeiro ou baseado em fundamentos, mas que ele necessita convencer o seu público – uma estratégia bastante utilizada na política atual.
Abordando o lado técnico, o elenco do filme é majoritariamente formado por pessoas brancas, principalmente quando cenas ocorrem dentro da faculdade. A escolha do elenco também foi intencional, exatamente para mostrar o quão “fora do ninho” a protagonista iria se sentir com o desenvolver do longa.
Como produção sonora, o filme permite que o espectador se sinta dentro da sala de aula, dentro da discussão, com barulhos de canetas no quadro ou de digitação nos notebooks.
O diretor Yvan Attal deixa claro que não quer defender nenhum posicionamento político. Tanto que é usado uma afirmação, ao longo do filme, que mostra que nenhum dos lados tem pessoas totalmente ruins ou totalmente boas – no caso, nem todo ultranacionalista é bom/ruim, e nem todo membro da extrema-esquerda é bom/ruim. Tudo o que a produção quer é gerar um debate, e nisso ela tem grande êxito.
“O Orgulho” é um filme atual, que vai de encontro a diferentes assuntos em pauta no mundo, mas que também tem o poder de desagradar a onda ultranacionalista e os movimentos de extrema-esquerda. Vai de encontro ao fenômeno da migração – que divide o mundo – e às diferentes formas de preconceito – em especial o racismo e o machismo -, por exemplo. Em resumo, é um filme necessário para os dias atuais.
Título original: Le Brio
Nacionalidade: França/ Bélgica
Gênero: Dramédia
Ano de produção: 2017
Estreia: 19 de julho de 2018
Classificação: A definir
Direção: Yvan Attal
Elenco: Camélia Jordana, Daniel Auteuil, Yasin Houicha, Nozha Khouadra, Nicolas Vaude e Jean-Baptiste Lafarge
Sinopse: Neila Salah é uma jovem francesa de origem árabe que sonha em ser advogada. Desde o primeiro dia de aula na renomada Faculdade de Direito de Paris ela se depara com Pierre Mazard, um professor conhecido pela sua má conduta que, para se redimir, aceita ser seu mentor num concurso. Porém, ambos precisam enfrentar seus preconceitos.