… Oscar Wilde (em Quatro Ensaios sobre Estética) escreveu: “A vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida”. Com toda razão.
Por José Paulo Cavalcanti Filho – Escritor, poeta,membro da Academia Pernambucana de Letras e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade.
Leio jornais, hoje, tentando ver além das notícias. A tragédia humana que sempre se renova. O ridículo de certas situações. O inusitado. O choro triste. O riso claro. O espanto. Às vezes, se trata mesmo de algo relevante. Mas, quase sempre, não. Em The Times, Fernando Pessoa disse algo parecido: “Sentou-se bêbado à mesa e escreveu um fundo/ Do Times, claro, inclassificável, lido,/ Supondo (coitado!) que ia ter influência no mundo…/ Santos Deus!… E talvez a tenha tido!”. Para provar essa tese, tirei férias da Copa e fui anotando alguns fatos que acabaram notícia, nos últimos dias. Quase todos, só agora percebo, sobre “a morte (que) é para os que morrem”, palavras de Rosa (Grandes Sertões…). A ver:
• Luiz Carlos Muniz Cantanhede, médico urologista, lutou anos contra um câncer. Ficou bom. E atribuiu isso a promessa que fez – de ir, a pé, até o Santuário de São José de Ribamar. Decidido a pagar tal promessa, logo começou a caminhada. Só que, na rodovia MA-204, morreu atropelado por um motorista bêbado (JC online). Seu santo protetor pode ser forte no capítulo das doenças. Mas é fraco na proteção aos devotos caminhadores.
Leio jornais, hoje, tentando ver além das notícias. A tragédia humana que sempre se renova. O ridículo de certas situações. O inusitado. O choro triste. O riso claro. O espanto. Às vezes, se trata mesmo de algo relevante. Mas, quase sempre, não.
• Um cidadão do Recife, que vivia reclamando da Seca, decidiu ir ao interior. Para ver, com seus olhos, as chuvas que caiam no Agreste e no Sertão. Só que, para azar dele, no Km 65 da BR-101 o carro mergulhou em um rio que estava cheio por conta das últimas chuvas. Resumindo, ele morreu. Afogado. Sem registro de seu nome (D.P.). Ou do que pensou, quando as águas tomavam conta de seu corpo.
• O garçom Damião Amaral de Carvalho morreu atropelado por uma égua que fugiu, em disparada, de dentro do Jockey Club. O animal, em vez de correr pela pista de grama, decidiu fazer isso no meio da rua. Mas passa bem. E vai correr no próximo domingo (O Globo). Dentro do Jockey, espera-se.
• O cientista escocês Ian Wilmut dedicou sua vida a estudar novas terapias contra o Mal de Parkinson. Tanto que criou a ovelha Dolly, clonada, no Instituto Roslin (em Edimburgo). Especialmente para esse fim. Pena que suas pesquisas não tiveram sucesso. E, agora, é ele quem está morrendo. Por conta de um raro tipo de Parkinson (Visão, de Portugal). Fazer o quê?
• Um bêbado atropelou 17 pedestres em Copacabana. Entre estes, o australiano Christopher John Gott. Que usava, no Brasil, o nome falso de Marcos Phillips. Por ser foragido da polícia de seu país. Condenado por crime de pedofilia e 17 outras acusações de agressão sexual (Folha SP). Escapou da justiça e morreu pelas mãos de um motorista encachaçado. O médico que o atendeu, no hospital, declarou que foi a justiça divina.
…E logo viram papel de embrulhar peixes. É isso.
• A israelense Olga Babaeva reside, no aeroporto do Galeão, há mais de um ano. Os três filhos pedem que volte para Israel. A velha não quer. E a explicação que dá, para isso, é inacreditavelmente simples: “Aqui é um lugar tranquilo para ficar” (O Globo). Oscar Wilde (em Quatro Ensaios sobre Estética) escreveu: “A vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida”. Com toda razão. Que, ao ver aquele filme de Tom Hanks (Aeroporto), ninguém suspeitaria pudesse ocorrer algo parecido no mundo real. E logo no Brasil.
Pesando tudo, parece ter razão o amigo Millor. Ao indicar a pouca importância do noticiário. Quando sentenciou, n’O Pasquim: “A imprensa é a única indústria que não dá a menor garantia pelos produtos que vende – posto ficar obsoletos em menos de 24 horas”. E logo viram papel de embrulhar peixes. É isso.