Rubens Valente
Folha
A crise dos caminhoneiros entra para a coleção de reveses do general Sérgio Etchegoyen, que é o responsável final pela análise e repasse, ao presidente da República, de informações coletadas pelo sistema de inteligência do Executivo federal.
Como ministro chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), o general tem controle sobre a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), que é a responsável pela coordenação do Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência), o que deixa Etchegoyen na ponta do sistema de informações.
ATRIBUIÇÕES – Um dos fundamentos do Sisbin, centralizado pela Abin-Etchegoyen, é “a preservação da soberania nacional, a defesa do estado democrático de direito e a dignidade da pessoa humana, devendo ainda cumprir e preservar os direitos e garantias individuais e demais dispositivos da Constituição”.
Entre as atribuições da Abin está “avaliar as ameaças, internas e externas, à ordem constitucional”. Ambos os órgãos servem como produtores de conhecimento para decisões a serem tomadas pelo presidente da República e, por extensão, pelo Executivo.
O andamento da crise dos caminhoneiros, no entanto, demonstrou que serviços públicos essenciais sensíveis, como unidades de saúde, resgate em situações de emergência, transporte de passageiros e policiamento de rua não foram alertados a tempo pelo Planalto sobre o risco real da greve e, assim, não deram início a nenhum plano especial de emergência antes que as bombas dos postos de gasolina começassem a secar. Ficou claro que o governo não se preparou para o pior.
APENAS ORIENTA? – Defensores do general poderão argumentar que ele apenas orienta e informa e que a decisão é sempre do presidente. “Uma análise de inteligência não deve ter mais do que duas páginas. Porque o presidente não vai ler um documento de 50 páginas, analisando todos os problemas. Tem que ser duas, e o ‘decisor’, com base naquilo, toma suas atitudes”, diz um ex-integrante da inteligência militar.
Não é possível saber em detalhes, dado o caráter sigiloso das atividades de inteligência, o que aliás também oculta as barbeiragens do setor, se e quando Etchegoyen advertiu Temer sobre as ameaças dos caminhoneiros, que haviam sido repassadas ao Planalto pelos próprios motoristas desde outubro, pelo menos.
Mas olhando os eventos recentes nos quais a responsabilidade era direta e inequívoca do GSI, o histórico é bem desfavorável.
DERROTAS – Em março de 2017, o GSI não conseguiu impedir que um empresário, Joesley Batista, entrasse com um gravador mequetrefe no Palácio do Jaburu e registrasse uma longa conversa com Temer, ponto detonador de uma crise política que quase levou à queda do presidente.
Na mesma época, Temer teve pelo menos uma conversa telefônica interceptada pela Polícia Federal com ordem do STF. Isso revelou que o presidente não usava telefones criptografados para falar com outras pessoas, ou seja, estava exposto a ações de espionagem empresarial ou estrangeira.
Por fim, um rapaz amalucado de 16 anos invadiu com um carro o Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência, e só foi contido pelos guardas quando estava no segundo andar do prédio. Em todos os casos, o GSI não conseguiu evitar um cenário potencialmente desastroso para Temer e a Presidência.
A VOLTA DO GSI – Parte da responsabilidade sobre a atual crise recai mais sobre os ombros de Etchegoyen porque em maio de 2016, quando a então presidente Dilma Rousseff foi afastada pelo Congresso e Temer assumiu a Presidência, o general retomou o controle militar sobre a Abin.
Após um longo trabalho de convencimento de oficiais de inteligência da agência, o órgão havia sido passado ao controle de uma autoridade civil, mas o cenário durou apenas oito meses. Em outubro de 2015, Dilma ordenou a extinção do GSI, destinando o controle da Abin à Secretaria de Governo. Quando Temer chegou ao poder, adotou como uma de suas primeiras medidas a recriação do GSI.
E o presidente decidiu sem consultar o então diretor-geral da Abin, Wilson Roberto Trezza, que reagiu pedindo demissão do cargo. Ele havia comandado a Abin por oito anos e não fora consultado num momento-chave da transição, num sinal de desprestígio da Abin e falta de tato de Temer.
SEM INTERMEDIÁRIOS – A decisão foi o oposto do que esperava a Abin no novo governo. No segundo trimestre de 2016, Trezza havia pedido pessoalmente a Temer que fosse alterada a hierarquia administrativa do governo de forma a submeter a Abin diretamente ao Palácio do Planalto, “sem intermediários”.
A Abin se queixava do distanciamento. Durante o mandato de quase seis anos de Dilma, por exemplo, Trezza nunca foi recebido pela presidente. O fim de intermediários também ia ao encontro da reivindicação de oficiais de inteligência da Abin, que defendem uma agência desvinculada do jugo militar e com acesso direto à Presidência.
Em uma carta aberta a Etchegoyen na época, a Aofi (Associação Nacional dos Oficiais de Inteligência) afirmou que as gestões do GSI “nunca foram boas para a inteligência” porque, de um modo geral, “os militares do GSI nunca respeitaram a carreira que foi criada para cuidar da Inteligência, por ser uma carreira civil e, por sermos civis, ‘não inspirávamos confiança’ aos olhos militares. Desastrosa por um número de razões, mas algumas com particular dano ao estado”.
MISSÃO INSTITUCIONAL – A crise dos caminhoneiros também chegou em um momento que a Abin tenta melhorar o foco de sua missão institucional.
Nos últimos tempos, a agência procura estabelecer os assuntos internacionais como uma prioridade número um, o que tem certa razão de ser – basta ver o impacto no Brasil da crise dos refugiados da Venezuela.
É uma tentativa, apoiada pela associação dos oficiais de inteligência, de o Brasil acordar para uma prática adotada por países desenvolvidos, como Alemanha e Estados Unidos, onde a inteligência se divide em duas, com órgãos específicos para assuntos internos e outros para externos.