Mariana Oliveira
TV Globo, Brasília
O relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Edson Fachin, avalia ouvir novas testemunhas e vai definir se autoriza a produção de mais provas antes de decidir sobre a validade das delações premiadas de quatro executivos da J&F – Joesley Batista, Wesley Batista, Ricardo Saud e Francisco de Assis.
Essa decisão será tomada nos próximos dias. Isso porque, na noite da última sexta-feira (18), a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, devolveu para Fachin todo o processo das delações, com mídias e documentos das colaborações, o que permitirá ao ministro decidir com base nos autos completos – são mais de 2.700 páginas, com 11 volumes e 23 apensos (provas complementares entregues pelos colaboradores, entre outros).
IMUNIDADE PENAL – As delações foram fechadas há um ano e validadas por Fachin em maio de 2017. Desde o início os acordos geraram críticas, uma vez que foi concedido aos delatores o maior benefício possível, a imunidade penal, ou seja, a impossibilidade de serem denunciados ou responderem a processos na Justiça.
As delações originaram a Operação Patmos, deflagrada em 18 de maio de 2017 para coletar indícios de supostos repasses ilegais da J&F para o senador Aécio Neves (PSDB-MG), que chegou a ser afastado do mandato, e para o presidente Michel Temer.
Joesley havia gravado uma conversa com o presidente, na qual, segundo a Procuradoria-geral da República, eles trataram sobre o silêncio de presos da Lava Jato. Em ação controlada, a Polícia Federal gravou um auxiliar do presidente, o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (MDB-PR), saindo de restaurante com uma mala com R$ 500 mil após recebê-la de um executivo da J&F – Ricardo Saud.
TRÊS DENÚNCIAS – As acusações da J&F viraram denúncia formal da Procuradoria contra Aécio, que se tornou réu em ação penal no STF, e duas denúncias contra Temer, que teve os processos suspensos por decisão da Câmara.
Mas há oito meses vigora um impasse sobre essas delações. Em setembro do ano passado, na reta final do mandato, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu a rescisão das delações por omissão e má-fé dos delatores – eles teriam deixado de informar sobre suposta orientação prestada pelo ex-procurador Marcello Miller nas negociações, enquanto ainda integrava o Ministério Público.
Inicialmente, Ricardo Saud e Joesley pediram a manutenção do acordo. Em dezembro, já no cargo de procuradora-geral, Raquel Dodge reiterou o pedido para rescisão definitiva das colaborações dos dois.
NOVO PEDIDO – Em fevereiro deste ano, foi a vez de Dodge reforçar o pedido para rescindir as colaborações de Francisco de Assis e Wesley Batista. Nesta sexta (18), a procuradora enviou novo documento reiterando pedido para rescindir as duas delações.
“No âmbito da colaboração premiada, instituto do direito processual penal, não há espaço para espertezas, ardis e trapaças, na exata medida em que são incompatíveis com a lealdade e confiança que devem reger as relações jurídicas válidas”, escreveu Dodge sobre a atuação dos delatores.
Agora, o processo está todo de volta no STF. Delatores pleiteiam a manutenção do acordo. Afirmam, de modo geral, que não tinham conhecimento de que Miller ainda estava vinculado à Procuradoria e sustentam que não tentaram ludibriar a PGR.
QUEBRA DE CONFIANÇA – Mas Dodge destaca que houve uma “evidente quebra de confiança no sistema de Justiça”. “Não há atitude mais desleal à justiça penal, também ofensiva à boa-fé e à lealdade, do que a praticada pelos colaboradores, sobretudo diante da amplitude do prêmio que lhes foi assegurado pelo PGR: a imunidade penal”, afirma a procuradora.
“Os atos que envolvem o ex-Procurador da República Marcelo Miller, longe de ter menor potencial ofensivo ou apenas pontual, é conduta gravíssima, de extrema deslealdade e má-fé, sendo irremediável, em razão da evidente quebra de confiança no sistema de justiça, que produziu”, conluiu Raquel Dodge.
NAS MÃOS DE FACHIN – Caberá ao ministro Fachin deliberar sobre a argumentação dos delatores para decidir os pedidos da Procuradoria para anular os quatro acordos. O ministro poderá autorizar – ou rejeitar – coleta de provas e depoimento de testemunhas a pedido dos colaboradores, para que eles possam tentar demonstrar que não houve má-fé e omissão.
Depois, o relator da Lava Jato, que homologou sozinho as delações, poderá individualmente rever o entendimento e invalidar definitivamente as colaborações. Há ainda a possibilidade de levar o caso para discussão do plenário do Supremo, mas não há expectativa de prazo para isso ocorrer.