O criminoso sujo é matéria-prima para que o criminoso limpo tente manter intacta a anormalidade de sua vida normal.
Josias de Souza
Num instante em que o governo prepara o lançamento de uma campanha publicitária para trombetear as realizações de Michel Temer, o Supremo Tribunal Federal joga lama no chope do presidente. Em apenas quatro dias, Temer foi empurrado para dentro de um inquérito sobre propina da Odebrecht e teve o sigilo bancário quebrado em investigação sobre a troca de favores portuários por mais propina. As novidades enferrujam a pretensão do Planalto de influir na sucessão.
Há na praça uma espécie de presidente dois em um. O Temer denunciado duas vezes e varejado num par de inquéritos é assustador. O Temer “reformista” e “corajoso” é um homem realizado, com o qual muitos gostariam de trocar um dedo de prosa sobre tudo o que hove depois que ele deixasse a Presidência —de preferência na semana que vem. Mas é impossível não tratar os dois como um só, pois a falta de ética do primeiro anula a boa intenção do segundo.
Após decretar intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro, Temer assiste à intervenção judicial em sua biografia. As iniciativas dos ministros Edson Fachin (caso Odebrecht) e Luís Roberto Barroso (quebra do sigilo bancário) são pedagógicas. Ajudam o brasileiro a entender que está lidando com dois tipos de criminosos: os absolutamente sujos, que operam nas cadeias e nas favelas, e os supostamente limpos, que atuam nos gabinetes.
O criminoso sujo é matéria-prima para que o criminoso limpo tente manter intacta a anormalidade de sua vida normal. Ao decretar guerra ao crime organizado do Rio, Temer manteve viva a realidade paralela que construiu para viver com seus amigos. Ao intervir nas contas do presidente e do seu séquito de amigos, o Supremo retira de Temer e Cia. a proteção de habitarem numa ficção.