Contas públicas: “Temos que almejar modelos menos vulneráveis à corrupção”, diz procurador

Por Ana Pompeu

Principais órgãos auxiliares do Poder Legislativo na fiscalização dos recursos públicos, os tribunais de contas brasileiros são ocupados majoritariamente por ex-políticos de carreira, em um cenário em que diversos deles são alvo de investigações criminais e processados por improbidade administrativa ou crimes contra a administração pública. Em um caso emblemático que ganhou o noticiário nos últimos meses, a Operação Quinto do Ouro, deflagrada pela Polícia Federal no Rio de Janeiro, prendeu cinco conselheiros do tribunal de contas do estado por suspeita de terem pedido propina a empreiteiras.

Para debater o modelo de indicação aos tribunais de contas e as dinâmicas de organização interna, um evento vai reunir nesta terça-feira (18), na Câmara dos Deputados, entidades de controle externo e estudiosos do assunto. O debate, apoiado por este site, será realizado no auditório Freitas Nobre, da Câmara dos Deputados, às 17h, e terá transmissão ao vivo na página do Congresso em Foco no Facebook. O evento será mediado pelo jornalista e editor do Congresso em Foco, Fábio Góis. Pelo site, será possível acompanhar e participar das discussões, enviando comentários ou perguntas.

O presidente da Associação Nacional do Ministério Público de Contas (Ampcon) e procurador do Ministério Público de Contas, que atua perante o Tribunal de Contas da União (TCU), Júlio Marcelo de Oliveira, defende que é preciso qualificar urgentemente a composição dos órgãos de contas, tanto no campo da formação técnica como no da idoneidade moral e reputação ilibada de seus membros.

“Não se trata aqui de abordar esse tema de forma simplista, demonizando os políticos e endeusando os de formação técnica. Longe disso. Temos de pensar e almejar os modelos de instituições menos vulneráveis à corrupção e à ingerência política. Aqui falamos de probabilidades, de modelos que facilitam ou que dificultam essas práticas nocivas. O modelo atual simplesmente não funciona”, detalha Júlio, que se destacou, em meados do ano passado, como uma das testemunhas de acusação no processo que levou ao impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Providências

Atualmente existem ao menos duas propostas de emendas à Constituição (PECs) de interesse do setor em andamento no Congresso Nacional, que mudam a organização e formação dos colegiados. Há ainda, um movimento idealizado pelas entidades de servidores e membros do Ministério Público que atuam nos tribunais de contas e participam do debate, o movimento pretende jogar luz sobre o que considera a vulnerabilidade à captura desses órgãos pelos grupos políticos dominantes, o Muda TC.

A Operação Quinto do Ouro, que prendeu cinco integrantes do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ), surgiu em decorrência das delações de ex-executivos das empreiteiras Odebrecht e da Andrade Gutierrez. Eles relataram ao Ministério Público Federal (MPF) que o então presidente do TCE-RJ Jonas Lopes havia pedido propina. Após as citações, ele também fechou acordo de delação premiada. O esquema ocorreu durante o governo de Sérgio Cabral (PMDB) no Rio, em 2013. O ex-diretor da Odebrecht disse que acertou, então, o pagamento ao ex-presidente do TCE-RJ de R$ 4 milhões, em quatro parcelas de R$ 1 milhão. Em troca, o edital sobre o Maracanã seria aprovado.

Diante desse cenário, o Movimento pela Relevância e Melhoria dos Tribunais de Contas, o #MudaTC, foi lançado em 22 de maio, em São Paulo, com a finalidade de promover mudanças no sistema de fiscalização das contas públicas. “Onde estavam os tribunais de contas enquanto rombos fiscais bilionários eram construídos? O que faziam enquanto elefantes brancos eram erguidos para a Copa do Mundo e para as Olimpíadas, eventos que deixaram como legado apenas dívidas, despesas inúteis e escândalos de corrupção?”, questiona Júlio.

Sem critério

Conforme apurou estudo da ONG Transparência Brasil divulgado em abril deste ano mostra que muitos dos integrantes dos tribunais fazem parte de clãs políticos locais e vários são homens públicos de reputação nada ilibada. A pesquisa avaliou a vida pregressa de todos os 233 conselheiros em exercício nas 34 cortes. Dos 233 integrantes de tribunais no País, 53 são alvo de 104 acusações na Justiça ou nas próprias cortes de contas.

Do total, 80% ocuparam, antes de sua nomeação, cargos eletivos ou de destaque na alta administração pública (como dirigente de autarquia ou secretário estadual, por exemplo); 23% sofrem processos ou receberam punição na Justiça ou nos próprios Tribunais de Contas; e 31% são parentes de outros políticos — em alguns casos, foram nomeados pelos próprios tios, primos ou irmãos governadores. Para completar, devido a ordem judicial sete deles estão afastados das cortes em caráter preventivo, suspeitos de envolvimento em esquemas de corrupção.

A principal razão para a politização das cortes é o mecanismo de preenchimento desses cargos, previsto na Constituição de 1988. Conforme a lei, nos TCEs, todos os sete integrantes são nomeados pelo governador. Desse total, um é de livre escolha dele. Outros quatro são indicados pela Assembleia Legislativa. Só os dois restantes têm de vir do quadro técnico dos tribunais, sendo um do corpo de auditores e o outro, oriundo do Ministério Público de Contas.

Em raras situações, políticos suspeitos de corrupção foram barrados devido à resistência da categoria. É o caso do ex-senador Gim Argello (PTB-DF), que, em 2014, não conseguiu vaga no Tribunal de Contas da União (TCU) após uma campanha de auditores e procuradores que o fez desistir. No ano passado, Argello foi preso pela Operação Lava Jato e condenado por receber propinas de empreiteiras. Ele nega os crimes.

“Não é admissível que cargos de conselheiros sejam objeto de barganhas políticas para acomodar aliados em momentos de definição de chapas eleitorais”, afirma Júlio Marcelo de Oliveira. “Causam náuseas as notícias de que foram compradas antecipações de aposentadorias de conselheiros para que vagas fossem abertas para políticos interessados em transformar em oportunidades de negócio cargos vitalícios, com foro privilegiado, sem nenhuma fiscalização e com muito poder”, completa o presidente da Ampcon.

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