Condenação de Lula é marco melancólico do fim de uma época

Por Celso Lungaretti

Fico pesaroso por toda uma época, a do reformismo à brasileira, estar terminando de forma tão melancólica. Face a cada novo marco da decadência do Partido dos Trabalhadores, vem-me sempre à lembrança um dos temas da excelente ópera-rock Jesus Christ Superstar, no qual Judas diz a Cristo: “Toda vez que olho para você não consigo entender/ por que deixou as coisas que fez saírem tanto do seu controle”.

O começo do fim foi quando o PT abdicou da missão de extinguir a exploração do homem pelo homem e se conformou em apenas tentar atenuar a monstruosidade intrínseca do capitalismo (como se isto fosse possível!).

De coveiro da desigualdade econômica e social passou a ser apenas seu gerenciador. E mesmo assim por mercê dos capitalistas, que em 2002 lhe delegaram tal papel, em troca de uma declaração de falta de princípios; mas que em 2016 revogaram a concessão, aplicando-lhe um formidável chute parlamentar no traseiro.

Como cristão novo dos (agora louvados em prosa e verso) valores republicanos, expurgou das suas fileiras os dirigentes e militantes mais devotados aos ideais igualitários e libertários, ao mesmo tempo em que abria as portas indiscriminadamente para carreiristas que apenas incharam o partido, descaracterizando-o ao invés de agregarem qualidade.

E foi aos poucos trocando a priorização das lutas sociais, com a consequente organização combativa das massas, pelo empenho exclusivo em vencer eleições e assim conquistar nacos de poder no Executivo e Legislativo, até chegar à vergonhosa situação de perder para a direita a batalha das ruas durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff.

Coerentemente mandou às favas também os escrúpulos, pois eram inspirados na moral revolucionária que caiu em desuso. Passou a pautar seu comportamento pelo utilitarismo; e, sendo os podres Poderes o que são, tal caminho o conduziu diretamente ao inferno dos mensalões e petrolões.

A condenação de Lula, mesmo não sendo definitiva nem encaminhando-o automaticamente à prisão, tem peso simbólico imenso: atesta a perda da inocência de um partido que nasceu imbuído das melhores intenções, mas foi abrindo mão de suas bandeiras ao longo do caminho, até nada mais restar-lhe de digno e puro para ostentar.

O PT não inspira mais a perspectiva de dias melhores, daí ter apelado para a satanização dos adversários como seu principal trunfo nas últimas campanhas eleitorais. Mas, os melhores seres humanos, aqueles que precisamos engajar na luta para a transformação da sociedade, são movidos pela esperança, não pelo rancor!

É hora de o PT e a esquerda brasileira repensarem o papel desempenhado neste século, efetuando finalmente a autocrítica da qual fogem desde o impeachment da Dilma, como se pudessem permanecer indiferentes a derrota tão acachapante!

Quanto ao Lula, ora chegando aos 72 anos, precisa deixar de ser visto (e de ver a si mesmo) como tábua de salvação de forças políticas que não renovaram suas lideranças em tempo hábil. Se o livrarmos de tal fardo, é bem capaz de ele conseguir terminar seus dias sem o dissabor de cumprir pena de prisão, numa democracia e em idade provecta.

Insistindo em travar braço-de-ferro propagandístico com o Judiciário, perderá. E é pouco provável que as massas invadam alguma Bastilha brazuca para o resgatar, conforme ameaça um tal Quaquá…

Lula não deveria conceder tamanho triunfo aos que há décadas anseiam por vê-lo humilhado. Mas, tudo dependerá de sua capacidade de fazer uma avaliação realista da atual correlação de forças.

Repito a advertência que fiz há bem pouco tempo: bravata tem hora, e não é agora!

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