Carta Capital destaca: Queimar ônibus é uma das expressões da luta pelo direito humano ao transporte público

Reprodução: Carta Capital twitter e site

Um ônibus foi queimado na cidade de Teresina, em 09 de janeiro de 2017, durante as movimentações contra o aumento da tarifa para R$ 3,30. Desocupados, bandidos, vândalos foram os adjetivos usados pelo representante do SETUT (Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Teresina) para se referir aos manifestantes em entrevista à mídia local.

A população reagiu e nas redes sociais chamou atenção para a questão central das manifestações: a violação do direito humano ao transporte público na cidade e com a hashtag #vandalismoemthe, denunciaram que #vandalismoemthe é “ir espremido na porta de um ônibus porque precisa chegar a tempo no trabalho ou na escola”; “é ter que pagar R$ 3,30 em um coletivo sem ar condicionado, sem segurança e sem porta”; “é os empresários enriquecerem e os passageiros andarem se espremendo nos ônibus com o dobro da lotação”; “é você ter que esperar 1h40min toda noite um ônibus para ir da universidade para casa”; “é você não ter mobilidade urbana”; “é as paradas de ônibus e os percursos mudarem sem uma discussão com os trabalhadores”.

A luta por um transporte público em Teresina não é recente. Em 2011, o movimento #contraoaumento, precursor das movimentações nacionais de julho de 2013, conseguiu barrar o aumento da passagem de ônibus. O prefeito de Teresina à época, diante da movimentação de milhares de pessoas na principal avenida da cidade, voltou atrás e revogou o decreto que aumentava a passagem. Em 2012, estudantes e trabalhadores voltaram às ruas e foram violentamente reprimidos pela Polícia Militar. Manifestantes foram atacados com gás de pimenta, presos e um deles atingido por uma bala de borracha que o deixou cego. O dia ficou conhecido como o dia do massacre e a avenida Frei Serafim foi batizada como a avenida dos indignados.

Como estratégia para barrar as mobilizações, conhecendo serem os estudantes parcela significante dos manifestantes, a Prefeitura de Teresina vem mantendo congelada a tarifa para o segmento, aumentando-a para os demais trabalhadores, e se furtando discutir a fundo a precariedade do serviço.

No Brasil, o transporte é um direito humano previsto no art. 6ª da Constituição Federal. Transporte público é um serviço público essencial, segundo o art. 30, inciso V, da Constituição. Nesse sentido, todo cidadão teresinense deveria ter acesso a um transporte público para ter direito à cidade. Ter direito à cidade significa ter direito de ir e vir, de acessar os espaços públicos e os serviços ofertados, em suma, é direito a viver a cidade.

Embora previsto formalmente e de caráter básico, esse direito não se materializa no cotidiano da maioria do povo teresinense. O serviço é ofertado por concessionárias privadas de forma precária e com aumento da tarifa periodicamente baseado em uma tabela lucrativa e arbitrária. A composição do Conselho Municipal de Transportes, que deveria ser um instrumento de participação popular e controle social, é simplesmente consultiva e díspare, uma vez que privilegia membros da estrutura burocrática do poder municipal e tem pouca representatividade da sociedade civil.

As manifestações que aconteceram compõem as lutas para que o transporte público deixe de ser uma promessa e se apresente como realidade. Ao longo da história nenhum direito humano foi dado ao povo, mas sim conquistado a partir de processos de lutas sociais e institucionais que buscam a garantia da dignidade humana, como nos ensina o jurista espanhol Herrera Flores[1]. Muitas destas lutas aconteceram queimando fábricas, ônibus e pneus.

Queimar ônibus em Teresina, portanto, é uma das expressões da luta pelo direito humano ao transporte público, que é, em suma, um imperativo para garantia do direito à cidade. O ônibus queimado é um símbolo da indignação dos corpos incendiados diariamente dentro e nas paradas dos ônibus precários e lotados na cidade, e sua fumaça não pode servir de cortina para esconder as arbitrariedades do Poder Público. A avenida Frei Serafim ocupada por estudantes e trabalhadores que reivindicam um transporte público significa a permanência de uma indignação contra a violação de direitos e é uma expressão legítima da construção do direito à cidade que nasce na rua.

Andreia Marreiro Barbosa é Mestra em Direitos Humanos e Cidadania pela Universidade de Brasília. Professora e advogada.

Jefferson Snard Soares Santana é Pós-Graduando em Direitos Humanos no Curso de Especialização “Esperança Garcia”, na Faculdade Adelmar Rosado. Advogado.

Marcus Vinícius Carvalho da Silva Sousa é Pós-Graduando em Direitos Humanos no Curso de Especialização “Esperança Garcia”, na Faculdade Adelmar Rosado. Advogado

Link de texto na íntegra aqui

 

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