Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense
Cerveró puxou o fio da meada do assassinato do prefeito Celso Daniel, sequestrado e assassinado em 18 de janeiro de 2002
O vazamento da delação premiada do ex-diretor da área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró é apenas uma peça no tabuleiro da Operação Lava-Jato, pois há mais 34 envolvidos no escândalo da Petrobras que optaram por contar e provar o que sabem sobre o esquema de propina. Ao afirmar que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva lhe deu o cargo de diretor financeiro da BR Distribuidora como reconhecimento pela ajuda que ele prestou para quitar um empréstimo de R$ 12 milhões considerado fraudulento, Cerveró puxou o fio da meada do assassinato do prefeito de Santo André Celso Daniel, sequestrado e assassinado em 18 de janeiro de 2002, um caso que assombra o PT.
Segundo Cerveró, em 2004, o fazendeiro José Carlos Bumlai obteve empréstimo do Banco Schahin e repassou R$ 6 milhões para o empresário de Santo André Ronan Maria Pinto, que detinha informações comprometedoras sobre o PT na região. Anos depois, sob comando de Nestor Cerveró, a diretoria internacional da Petrobras aceitou contratar a empresa Schahin Engenharia por US$ 1,6 bilhão para a operação de um navio-sonda. O contrato seria uma forma de o PT retribuir o grupo Schahin pelo empréstimo.
No embalo da Lava-Jato, o publicitário Marcos Valério, condenado no mensalão, que teria sido um dos “operadores” escalados para abafar o caso Celso Daniel, agora se oferece para fazer delação premiada na Operação Lava-Jato. Teve oportunidade de fazê-la no mensalão, mas preferiu manter o silêncio e acabou condenado a 37 anos e 8 meses de prisão. Em 2012, Valério havia revelado que metade do dinheiro fora destinado ao empresário Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, amigo de Celso Daniel e principal suspeito do crime, mas que foi absolvido desse crime por falta de provas. Ele era um dos cabeças de um esquema de cobrança de propina de empresas de transportes contratadas pela prefeitura de Santo André, no ABC, de 1997 a 2002, Além de Sombra, foram condenados por corrupção Ronan Maria Pinto e o ex-secretário de Serviços Municipais da cidade Klinger Luiz de Oliveira Sousa.
Os três chantageavam a cúpula do PT. O caso Celso Daniel é uma espécie de divisor de águas na trajetória do partido. Coordenador do programa de governo de Lula, o prefeito de Santo André fazia parte do núcleo dirigente da campanha petista, ao lado de José Dirceu. A investigação interna realizada pelo PT deu muita confusão na cúpula do partido, mas também não esclareceu o crime. O promotor Francisco Cembranelli, responsável pela acusação no caso Celso Daniel, porém, concluiu que o prefeito de Santo André foi morto porque descobriu que o esquema de propina obtido com empresários para caixa dois de campanha do PT passou a ser desviado também para contas particulares dos envolvidos. Segundo depoimento de pessoas que sofriam extorsão, elas pagavam de R$ 30 mil a R$ 40 mil por mês ao esquema.
Círculo macabro
A família de Celso Daniel nunca engoliu a versão de crime de encomenda e responsabiliza o PT pela morte do prefeito, o que nunca foi comprovado. Uma lista macabra de assassinatos aumenta o mistério sobre o caso, pois representa uma verdadeira queima de arquivo. O garçom Antônio Palácio de Oliveira, que serviu o prefeito e Sérgio Sombra no restaurante Rubaiyat em 18 de janeiro de 2002, noite do sequestro, foi assassinado em fevereiro de 2003. Usava documentos falsos, com outro nome. Teria recebido R$ 60 mil de fonte desconhecida por seus familiares e fora citado numa conversa gravada pela polícia entre Sombra e Klinger. Era testemunha de desentendimento entre Daniel e Sombra.
Paulo Henrique Brito, a única testemunha do assassinato do garçom, foi morto no mesmo lugar, com um tiro nas costas, 20 dias depois. O agente funerário Iran Moraes Rédu, o primeiro a identificar o corpo do prefeito na estrada, foi morto com dois tiros quando estava trabalhando, em dezembro de 2003. Apontado pelo Ministério Público como o elo entre Sérgio Sombra e a quadrilha que matou o prefeito, três meses depois, o detento Dionísio Severo foi assassinado na cadeia, na frente do advogado. Ele havia sido resgatado do presídio dois dias antes do sequestro, mas acabou recapturado. Tinha sido escondido por Sérgio Orelha, que também foi assassinado em 2003. O investigador do Denarc Otávio Mercier, que ligou para Severo na véspera do sequestro, morreu em troca de tiros com homens que tinham invadido seu apartamento, em julho de 2003. O último cadáver foi o do legista Carlos Delmonte Printes, que identificou sinais de tortura no corpo do ex-prefeito, morto em outubro de 2005.