POR FERREIRA GULLAR
Um fato que me chamou a atenção, a partir de certa etapa da Operação Lava Jato, foi o modo como a direção do PT reagiu às acusações feitas contra João Vaccari Neto, tesoureiro do partido.
Isso me chamou a atenção porque, anteriormente, no mensalão, figuras importantes do partido foram acusadas e presas sem terem merecido o mesmo tipo de apoio por parte da direção petista.
Claro, os dirigentes sempre negaram fundamento àquelas acusações, mas nada que se comparasse ao modo como têm defendido o responsável por suas finanças, Vaccari Neto.
Desde o primeiro momento, quando foi denunciado pela Lava Jato, a direção do PT saiu em sua defesa, prestando-lhe solidariedade e considerando descabida qualquer suspeita contra ele.
E como se não bastasse, o próprio Luiz Inácio Lula da Silva, que não costuma meter a mão em cumbuca (sobretudo quando se trata de gente do partido), saiu em defesa de João Vaccari Neto, alegando que se tratava de mais uma calúnia para desqualificar o Partido dos Trabalhadores.
Tais reações me deixaram surpreso, particularmente porque não se trata de alguém acima de qualquer suspeita. Basta lembrar o caso Bancoop (Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo), em que Vaccari esteve seriamente envolvido, sob suspeita de desfalque, tendo que responder perante a Justiça.
Apesar disso, no último congresso do PT, realizado em junho último, foi homenageado como figura insigne do partido, embora, até bem pouco tempo, quase ninguém ouvira falar dele.
Por tudo isso, perguntava-me: por que tanto empenho dos petistas em defender o encarregado de suas finanças?
As coisas se tornaram mais claras para mim depois que Ricardo Pessoa, proprietário da construtora UTC, envolvida nos escândalos da Petrobras, optou pela delação premiada e contou tudo o que sabe a respeito das propinas que foi obrigado a pagar ao PT para continuar a manter contratos de obras com a grande estatal do petróleo.
Em seu depoimento na Lava Jato, Ricardo Pessoa fala dos R$ 2,4 milhões que deu para a reeleição de Lula. É sabido que Vaccari Neto adotara o apelido de “Moch”, em alusão à mochila preta na qual carregava o dinheiro, que era levado para o comitê de campanha.
Por essas razões, Vaccari se tornara um assíduo frequentador da sede da UTC, em São Paulo, onde se entenderia com Ricardo Pessoa acerca das propinas que recolheria para o PT.
Segundo ele, em cada uma dessas visitas, Vaccari levava a mochila cheia de notas de R$ 50 e R$ 100, que já estavam ali, no gabinete, à sua espera.
Mas Vaccari era esperto: nesses encontros evitava falar em dinheiro; escrevia a quantia num pedaço de papel e mostrava a Pessoa.
Terminada a visita, guardada a grana na mochila, picava o papel no qual havia escrito a quantia exigida, e distribuía o papel picado em diferentes lixeiras, para evitar que alguém as recolhesse. Mas todo esse cuidado deu em nada, porque Ricardo filmava tudo.
Ao contrário do que dizem Lula e sua turma, quem faz delação premiada não pode mentir. Se escolheu fazê-la foi para reduzir a pena a que seria condenado; se mentir, a pena, em vez de diminuir, aumenta.
É por isso que o delator não mente. Logo, Vaccari sabe que tudo o que disse Ricardo Pessoa é verdade e que, em consequência disso, pode ser condenado a muitos anos de prisão. E o pessoal do PT sabe igualmente disso e sabe das consequências que a confirmação de tais fatos significariam para o partido e para cada um de seus dirigentes individualmente.
A pergunta que fica é a seguinte: e se João Vaccari Neto, sabendo que fez o que fez, não estiver disposto a enfrentar tantos anos de cadeia?
Afinal de contas, fez tudo aquilo pelo partido e, se é assim, por que terá de pagar o pato sozinho, enquanto Lula, Dilma e Rui Falcão continuarão aí livres e felizes?
Enfim, e se Vaccari optar também pela delação premiada? Não tenho dúvida de que Lula e sua turma terão se feito essa mesma pergunta. Já imaginou se ele decide contar tudo o que sabe?
É bem possível que seja esse o motivo de tanta solidariedade dos petistas a João Vaccari Neto.