Iñigo Errejon: A pauta é a dor das maiorias empobrecidas

Podemos

Descrença nas elites, aumento da desigualdade e políticas de austeridade levam eleitores ao Podemos, diz Iñigo Errejon, considerado o número 2 do partido espanhol.

Ao lado do Syriza na Grécia, o Podemos na Espanha é outro grande novo fenômeno que está provocando um terremoto político na velha Europa ao colocar em xeque a ordem neoliberal imposta pela Troika… Nascido das entranhas das grandes manifestações dos “indignados” de 2011, marcadas pela ocupação da Plaza del Sol, o coração de Madri, o Podemos tem uma curta e surpreendente trajetória.

Com uma direção predominantemente jovem, que faz com grande habilidade a ponte entre as redes sociais e as ruas, o Podemos foi oficialmente criado em 15 de janeiro de 2014. Quatro meses depois, elegeu cinco deputados ao Parlamento Europeu, entre eles seu principal líder, Pablo Iglesias. No mês passado, encabeçou coligações que elegeram os prefeitos das principais cidades da Espanha, incluídas Madri e Barcelona.

Agora, o partido toma fôlego para a grande batalha de novembro, que elegerá o Parlamento nacional e o novo presidente do governo da Espanha. Aos 32 anos, Iñigo Errejon, considerado o número 2 na direção do Podemos, analisa para CartaCapital o quadro político espanhol e também da América Latina.

Carta Capital – Como você avalia o panorama para as eleições gerais de novembro?

Iñigo Errejon – Ocorrerão em um ano em que todo o poder político democrático está em jogo na Espanha (comunidades autônomas, prefeituras e poder nacional), um ano marcado pela tensão entre a capacidade das forças que trabalham para construir uma maioria popular nova e pelo outro lado a capacidade dos partidos políticos tradicionais de tentar conter essa vontade de mudança e defender os equilíbrios tradicionais.

CC – Quais as principais diferenças entre a formação das lideranças do Podemos e dos partidos tradicionais?

IE: – São lideranças construídas fundamentalmente no cenário midiático, nos grandes meios de comunicação, com tudo o que isso tem de dificuldade, porque é o terreno do adversário. O que acontece é que, quando o adversário vai ganhando, constrói o terreno do jogo, obrigando assim que o desafiemos em seu terreno e com suas regras. Em vez de uma mesa redonda em um sábado à noite numa televisão, gritando, preferiria enfrentar meus adversários numa conversa franca, direta, mas são eles que nos ditam as normas do enfrentamento. Somos conscientes que temos que trabalhar na disputa da opinião pública imediata, conjuntural, e ao mesmo tempo, em um segundo plano, mais lento e mais profundo, que é em termos clássicos da reforma moral e intelectual.

Assim que temos lideranças que se construíram na confrontação na televisão, à medida que davam uma expressão respeitosa ao debate e, principalmente, para parcelas da população servimos como que instrumentos para concretizar um discurso contundente atrativo e com capacidade de síntese. É fundamental também o papel das redes digitais no processo de debate e organização do partido.

CC – E como isso ocorre?

IE: A descrença nas elites tradicionais, a sensação de que esse país é mais injusto, a contestação das políticas de austeridade, colocar na agenda as dores das maiorias empobrecidas, as que não tinham espaço nas narrativas do país oficial. O ciclo de protestos iniciado em 2011 mostrou que as pessoas protestaram quase sem bandeiras, sem siglas, sem líderes que lhes unificasse. Eram descontentes-órfãos e um tempo depois esse descontentamento foi catalisando em diferentes referências, algumas individuais, outras coletivas, e não todas de Podemos.

CC – Você acha que sem uma participação cidadã concreta essas lideranças repetiriam o formato das lideranças tradicionais?

IE: Acredito que as lideranças têm entre si coisas em comum. Não existe uma liderança que se construa sem escutar ou sem um diálogo permanente que demanda um setor amplo da população. Porque se deixa de representar essa demanda, deixa de liderar, deixa de ter capacidade de influência e de convencimento, de articular espaços mais amplos.

Nesse caso há lideranças que são como pássaros: voam em nuvem e há um primeiro pássaro que abre caminho, mas que, às vezes, se desgasta. Quando isso ocorre, se incorpora à nuvem e é substituído por outro. Para que o substitua, é importante que exista a capacidade de formação de quadros e de lideranças. Isso não se improvisa.

Na verdade, o combate institucional e midiático tem regras que obrigam a personalizar. Nós temos que resistir a essa tentativa de hiper-personalização, mas ao mesmo tempo temos de formar os companheiros com a capacidade de desempenhar essa tarefa.

CC – Como vê a ascensão do pensamento conservador e de práticas políticas conservadoras em alguns países latino-americanos?

IE: Tenho a impressão que na América Latina os objetivos progressistas são a construção de uma institucionalidade que transforme em práticas cotidianas os avanços históricos recentes, porque não é possível que o povo seja herói permanente e esteja todos os dias na rua, de forma a estabelecer um novo equilíbrio de forças sedimentado.

E também pensar como confrontar politicamente essas novas direitas que aprenderam uma parte da linguagem dos avanços da época, portanto, não são direita que postulam voltar aos anos 90, mas que se situam num terreno construído pelos governos progressistas e, portanto, é um adversário nunca totalmente fiel. Jogam sempre por uma desestabilização institucional, mas que ao mesmo tempo aprendeu uma linguagem do poder. Portanto, me parece que as tarefas são a construção institucional e, sem dúvida, o aprofundamento na arquitetura nacional. Só há possibilidades de avanços na formação econômica, social e política com a maior integração regional para fazer frente a alguns desafios da América Latina.

 

Fonte: Por Rosemary Segurado, revista CartaCapital

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