O Piano e a Motosserra. No domingo de manhã, fui acordada pelo barulho de uma motoserra. Não entendi o que era na hora. Mas era ruim de ouvir. No começo da noite, caminhei pelas calçadas do parque e esbarrei em vários troncos de árvores cortados. Não estou dizendo galhos podados. Falo de árvores serradas no talo. Fiquei pensando no destino desses vegetais. Como já passou a véspera de São Pedro, nem para fazer fogueira vão servir. “Devem ter cortado por causa dos fios”. Disse o vendedor de milho cozido. Então a gente derruba árvores para preservar fios? Fiquei pensando na ordem inversa das coisas. Na precariedade de uma cidade onde a fiação eletrocuta gente e planta. Deu um desânimo danado. Hoje de manhã, despertei com uma música tão bonita. Não entendi direito o que era na hora. Mas era boa de ouvir. Depois, percebi que não era contínua. Estava sendo tocada ali mesmo. De um jeito imperfeito. Por alguém que parecia tirar a música do ouvido da memória. Tirar a música do ouvido da memória e trazer para dentro da casa. Fluindo e tropeçando. Refazendo e avançando. Então me dei conta de que era o meu filho. Tinha recuperado o teclado velho, esquecido no sótão de seus avós. Ora se não estava ali a dinâmica da própria vida? Tentar acertar, tentar acertar, tentar acertar e errar. Tentar acertar, tentar acertar, tentar acertar e acertar. E acertar de novo e errar de novo e acertar outra vez. Fiquei pensando na sorte que uma árvore tem de ser madeira de um piano. Fiquei pensando que a vida é um ensaio de pianos e motoserras.