Do risco ao sucesso

Zuenir Ventura, O Globo

E assim se passaram muitos anos de sucesso, mas a primeira Festa Literária Internacional de Paraty, em 2003, foi uma aventura de risco. Penso nisso quando estou de volta à cidade pela sexta vez, agora para mediar a mesa “Em nome do pai”, com Marcelo Rubens Paiva e Ivo Herzog.

Como escrevi na época, o evento tinha tudo para dar errado, a começar pelo momento, três meses depois da Bienal do Rio, que atraíra 560 mil visitantes e vendera 1,6 milhão de exemplares de livros. O mercado e as pessoas deviam estar saturados.

Outra desvantagem era a localização, uma cidade distante do Rio e de São Paulo, com uma infraestrutura hoteleira precária e ruas calçadas com pedras que pareciam feitas para torcer tornozelos, como aliás conseguiram diversas vezes. Um gaiato chegou a sugerir a construção de um corrimão no centro histórico.

Poucos acreditavam na iniciativa, além da editora inglesa Liz Calder, mentora intelectual do projeto, que desde 1995, ao descobrir Paraty, sonhara em reproduzir aqui o festival de Hay-on-Wye, uma cidadezinha de cinco mil habitantes no País de Gales.

Quem logo comprou a ideia foi o editor da Companhia das Letras, Luiz Schwarcz, que precisou vencer resistências de colegas, que achavam que o empreendimento era uma tentativa paulista de esvaziar a Bienal do Rio. O mal-entendido durou algum tempo.

Segundo o jornalista Flávio Pinheiro, diretor de programação das duas primeiras edições, Liz e Luiz ajudaram a trazer um time respeitável de escritores e pensadores. Mas dinheiro, não. Uma semana antes do anúncio, os patrocinadores — um fabricante de televisores e uma estatal — retiraram o apoio, alegando dificuldades econômicas de última hora.

“Fui bilheteiro, carreguei cadeiras e apresentei os autores brasileiros a um grupo importante de editores estrangeiros que vieram”, contaria mais tarde Schwarcz.

A primeira Flip reuniu um elenco respeitável, a começar por Millôr Fernandes, o homenageado de agora. Entre muitos outros, estiveram presentes Verissimo, Ferreira Gullar, Milton Hatoum, Caetano Veloso, Marçal Aquino. Um espetáculo com Chico, Gil e Adriana Calcanhotto homenageou o autor escolhido, Vinicius de Moraes.

A grande atração internacional foi o historiador inglês Eric Hobsbawm, que, aos 86 anos, usando paletó e sandálias, era seguido por uma legião de fãs pelas ruas de Paraty. O assédio foi tanto que, diante de uma fila interminável para autógrafos, desabafou bem-humorado: “Luiz, cansei dessa vida de Mick Jagger.”

Dizia-se que como a Festa de 2003 não haveria outra. Na verdade, houve e até maiores. A de agora está apenas mais enxuta em recursos por causa da Copa do Mundo. Empresas que poderiam tê-la patrocinado preferiram dirigir os investimentos de marketing para a seleção. Devem estar arrependidas. O contrário teria valido muito mais a pena.

 

Paraty, Flip 2014, Zuenir Ventura, Marcelo Rubens Paiva e Ivo Herzog – Foto André Teixeira / Agência o globo

 

Zuenir Ventura é jornalista

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