O Recife está morrendo. Por Flávio Chaves

  Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc  –  A cidade que já foi farol de liberdade, palco de revoluções e berço de gigantes da cultura brasileira, hoje agoniza em silêncio. O Recife está morrendo. E ninguém parece disposto a socorrê-lo. O centro histórico, que um dia foi o coração pulsante de Pernambuco, vive agora um processo de implosão silenciosa, promovida por abandono, descaso e omissão do poder público.

Praça do Sebo. Praça do Diário. Rua do Imperador. Avenida Guararapes. Lugares onde a cidade respirava cultura, comércio, encontros, livros, cafés, ideias. Hoje, essas ruas estão desertas. Lojas fechadas, fachadas em ruínas, marquises prestes a cair, sombras onde antes havia brilho. As pedras portuguesas que calçavam o orgulho agora sustentam o esquecimento.

O livreiro José Brandão, que por décadas foi guardião da memória literária do Recife na Praça da Roda, já não está mais entre nós. Mas sua ausência grita. Entre pilhas de livros, ele testemunhou o apogeu e o declínio da vida cultural do centro. Ali, onde a poesia circulava como brisa, hoje o silêncio é mais alto que qualquer verso. Brandão partiu, e com ele parece ter ido uma parte da alma do Recife. Sua banca está vazia, e o vazio não é apenas físico. É simbólico. É um alerta.

Os sebistas antigos foram sumindo. Os eventos culturais, desaparecendo. Os prédios, apodrecendo. A Praça do Diário está irreconhecível. A Avenida Guararapes parece uma cidade abandonada depois de um furacão. Não é a guerra que destruiu. Foi a ausência. Foi o poder público que se esqueceu. Ou pior: que fingiu esquecer.

Cadê o prefeito João Campos? Onde estão os vereadores eleitos com votos recifenses? Onde estão os deputados estaduais e federais que caminharam pelas ruas da cidade pedindo voto e hoje passam de carro escuro pelas mesmas ruas sem sequer abaixar o vidro? Onde estão os secretários de cultura, de urbanismo, de patrimônio? Por que todos eles calam? A quem interessa o silêncio sobre a morte do Recife?

Enquanto isso, especuladores esperam. Investidores frios, encastelados em ar-condicionados, sabem que prédios velhos caem sozinhos. E quando caem, limpam o terreno para um novo negócio. Quanto mais o centro se esvazia, mais lucrativo se torna para quem deseja apagá-lo. Um projeto de gentrificação começa sempre com o abandono. E aqui o abandono não foi acidente. Foi estratégia.

Mas Recife não é um terreno. Recife é história. Recife é suor. É povo. É luta. É ferida aberta que lateja em cada esquina. Recife é a memória de Gregório Bezerra açoitado em praça pública. É a voz de Cristina Tavares enfrentando a ditadura. É o corpo de Frei Caneca tombando por liberdade. É o grito de Dandara, o sonho de Paulo Freire, o poema azul de Carlos Pena Filho, a cerâmica de Francisco Brennand, o passo de Capiba, o canto de Luiz Gonzaga. É também a pena de Olegário Mariano e os olhos de Mauro Mota olhando, com melancolia, o Recife se suicidar domingo após domingo.

Recife é tudo isso e é muito mais. E está morrendo diante de nossos olhos. Está sendo enforcado lentamente por quem deveria protegê-lo. A cidade está calada, mas não por escolha. Está sem voz porque a estão sufocando.

O poeta Mauro Mota já havia previsto esse luto urbano quando escreveu: “Assumo-me o suicídio do domingo no Recife, o domingo jogando-se da torre do Diário na música do carrilhão batendo meia-noite.” E Ascenso Ferreira completou: “Sozinho, de noite, nas ruas desertas do velho Recife, que atrás do arruado deserto ficou, criança, de novo, eu sinto que sou.”

Agora, essa tristeza deixou de ser poesia para se tornar fato. Não são mais versos. São ruínas.

Não se trata de saudade do passado. Trata-se de lutar por um futuro que respeite o que fomos. Que conserve o que ainda temos. Que revitalize sem apagar. Que inclua o povo e não os expulse. Que devolva ao centro o que ele sempre teve: vida.

A omissão diante da morte do Recife é crime. É traição. É covardia. E será lembrada na história. Mas também é tempo de resistência. De erguer a voz. De chamar o povo de volta às ruas. De gritar contra tudo que aí está.

Porque o Recife é maior do que os que o negligenciam. E ainda pode renascer. Mas para isso, é preciso que alguém diga. Que alguém escreva. Que alguém denuncie.

E aqui está escrito: o Recife está morrendo.

Mas enquanto houver memória, enquanto houver palavras, enquanto houver alguém disposto a amar essa cidade com o punho cerrado e o coração aberto, o Recife resistirá.

Rafael Câmara faz história na Hungria e conquista título da Fórmula 3: um orgulho de Pernambuco para o mundo. Por Flávio Chaves

F3 Drivers champion and race winner Rafael Camara, Trident“Agora eu posso relaxar um pouco”, comemorou Rafael Câmara após a corrida deste domingo | Foto de: Zak Mauger

Por Flávio Chaves –  O que era promessa se confirmou com brilho e emoção na madrugada deste domingo, 3 de agosto. O pernambucano Rafael Câmara, aos 19 anos, escreveu uma das páginas mais marcantes do automobilismo brasileiro ao vencer a corrida principal do GP da Hungria e sagrar-se campeão da Fórmula 3 com uma etapa de antecedência. Um feito gigante, digno de quem carrega no peito o talento nato e, nas veias, o sangue quente do Recife.

Piloto da equipe Trident, Rafael cruzou a linha de chegada em Budapeste com a leveza de quem venceu muito mais do que uma prova: venceu o tempo, os obstáculos, a distância da família, a dureza da estrada — e consagrou uma trajetória construída com suor, persistência e fé no sonho.

“Estou muito feliz, principalmente com o trabalho da equipe. Desde o começo da temporada, fomos constantes, e isso fez a diferença para conquistar o título antes da última etapa”, declarou, emocionado, em entrevista à repórter Mariana Becker.

A vitória na Hungria coroou uma temporada irrepreensível. Com três vitórias em corridas principais, consistência em todos os fins de semana e um foco obstinado, Rafael dominou a F3 com a maturidade de quem já vislumbra o próximo passo: a Fórmula 2 em 2026, e, quem sabe, a Fórmula 1 em breve.

Mas, por trás do capacete, existe o menino que começou no kart aos seis anos, em Recife, correndo com apenas dez pilotos no grid. E é impossível não reconhecer o papel fundamental de seus pais, Maru Câmara e Paula Chaves Câmara, que foram os primeiros a acreditar, mesmo quando o futuro parecia incerto.

“Meus pais sempre pensavam se deveriam continuar, se dava para seguir… e eu sempre conseguia surpreender de algum jeito. Eles não queriam tirar esse sonho de mim. Ver hoje todo mundo torcendo, a família mandando mensagem, é até uma pressão a mais — mas uma pressão boa”, revelou o campeão.

Agora, após nove corridas intensas, Rafael planeja descansar com os pais, os amigos e a família. A participação ainda em 2025 em provas da F2 está sendo considerada, mas o foco principal é 2026, e tudo indica que as negociações já estão avançadas.

“Tenho uma ideia, mas não posso falar ainda. Provavelmente já nessas férias vai estar assinado. Depois de Monza, a ideia é focar completamente na Fórmula 2 e começar o ano do jeito certo”, disse, com a serenidade de quem sabe o caminho que trilha.

A última etapa da F3 será em Monza, na Itália, em setembro. Mas, para Rafael Câmara, o campeonato já está vencido. E não é apenas um troféu que ele leva para casa — é o reconhecimento mundial de que o Brasil, mais uma vez, revela ao mundo um talento de ouro.

De Recife para Budapeste, das pistas do kart aos holofotes do automobilismo europeu, Rafael Câmara é hoje símbolo de uma nova geração e motivo de imenso orgulho para Pernambuco.

A crônica domingueira. Por Magno Martins