A Palavra como arma e refúgio. Por Flávio Chaves

    Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc  –    Há momentos em que a gente não escreve apenas com as mãos. Escreve com o fígado. Com o sangue. Com aquela parte da alma que sangrou calada por anos e, de repente, explode como quem, de tanto engolir o mundo, agora precisa vomitá-lo inteiro na folha em branco.

Escrever é um soco. Um arremesso de dardo contra o que nos esmagou em silêncio. É o momento exato em que o oprimido vira voz. Em que o humilhado vira narrador. Em que o perseguido ganha nome, sobrenome, e um espaço para gritar sem pedir licença.

A escrita é o tribunal onde os fracos ganham força, os invisíveis ganham rosto, e os carrascos, por mais blindados que estejam socialmente, caem como se nunca tivessem sustentado máscara alguma. A palavra não tem medo de status social. Não se curva diante de sobrenomes herdados. Não aceita censura emocional.

Escrever é rasgar a fantasia dos poderosos com a lâmina invisível da verdade. É expor, linha por linha, o teatro das aparências. É desarrumar os palcos onde tantos na vida desfilam suas hipocrisias. É dizer, em letras cruas: você não vale uma pataca furada. Nunca valeu.

E quando a gente escreve assim, com o peito em brasa e o verbo em punho, o mundo ao redor treme. Porque a literatura, no seu estado mais puro, é uma espécie de vingança elegante. Não é grito histérico, é sentença poética. Não é pancada física, mas machuca mais que qualquer tapa na cara. Porque fica. Porque ecoa. Porque atravessa o tempo.

Escrever é também um ato de cura. Um abraço em si mesmo depois de anos levando porrada calado. É a construção de um escudo feito de sílabas. Uma armadura de metáforas. Um refúgio onde a dignidade encontra abrigo depois de ter sido escorraçada pela vida.

Quem escreve, sobrevive. Quem lê, também.

E que venha o próximo capítulo. Porque agora, meu amigo, ninguém mais cala o que a gente decide dizer.