Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc – Se me fosse dado o direito de escrever apenas uma única vez para o mundo inteiro — apenas uma — eu não escolheria os números, nem as estatísticas, nem as doutrinas políticas ou os tratados científicos que tentam, em vão, dar conta da complexidade da vida. Eu não escolheria as fórmulas do sucesso, nem as estratégias do convencimento, nem os discursos pomposos da razão, porque nada disso me parece mais urgente do que falar daquilo que nos corrói por dentro: o que não foi dito. Eu escreveria, com a tinta mais humana e vulnerável que há, sobre os silêncios. Sobre os silêncios que gritam, sufocam, adoecem. Sobre os gestos que ficaram a meio caminho, sobre os perdões que não foram pronunciados, sobre os abraços que nunca chegaram a acontecer, sobre os “te amo” que o outro merecia ter escutado, mas que a gente, por orgulho ou medo, apenas pensou — e engoliu.
No fundo do peito de cada ser humano há sempre uma carta inacabada, um beijo que morreu antes da boca, um perdão que não teve fôlego para atravessar a garganta, uma última frase que não encontrou tempo para existir. E quando o tempo escorrega — como sempre escorrega —, a alma permanece parada no instante em que tudo poderia ter sido diferente, se ao menos uma palavra tivesse sido dita. Esta crônica não é sobre o arrependimento vulgar das convenções. Ela é sobre a condição humana. Sobre a nossa eterna hesitação entre sentir e dizer, entre querer e se revelar, entre saber e se permitir.
Quantas pessoas hoje dormem sem saber que são amadas? Quantas partidas aconteceram sem uma despedida? Quantas mães esperaram um telefonema que nunca chegou? Quantos filhos saíram de casa certos de que haveria um depois — e não houve? A gente vive como se o tempo nos devesse algo. Mas o tempo, meu amigo, não deve nada a ninguém. O tempo não volta. O tempo não explica. O tempo não avisa. É o coração que está em dívida. E muitas vezes, a única moeda com que se pode pagar essa dívida é o gesto não feito, a frase não dita, a presença que já não se pode oferecer.
Essa crônica não quer apenas comover. Ela quer tocar onde você ainda está vivo. Quer ser aquele estranho que atravessa a sua tarde e sussurra: vai agora, não espera, diz o que sente, antes que o silêncio se torne irreversível. Porque o silêncio é confortável até o dia em que ele se transforma em sepultura — da palavra, da reconciliação, do amor. Talvez você tenha um amor trancado em uma gaveta emocional, uma saudade disfarçada de rotina, uma dor camuflada de orgulho. Talvez a pessoa que você ama esteja do outro lado do telefone esperando um gesto que só você pode fazer. Talvez esta crônica seja um espelho. Talvez seja um empurrão. Talvez seja o último aviso antes de aquilo que não foi dito se transformar em sombra permanente.
Não se iluda com a ideia de que haverá outra oportunidade. Às vezes não há. A vida é mais falha do que justa. E o depois é um lugar onde ninguém mora. Vai lá. Diz. Escreve. Corre. Liga. Perdoa. Beija. Toca. Apareça. Grite o que sente, ainda que com voz trêmula. Porque se tem uma coisa que a vida ensina tarde demais é que os silêncios pesam muito mais que os erros.
E que algumas palavras, quando não são ditas a tempo, deixam de ser palavras — tornam-se lamentos que ecoam dentro da gente por uma vida inteira.