EDITORIAL — A PERSEGUIÇÃO AOS IMIGRANTES É O INÍCIO DO FIM: O DIA EM QUE OS ESTADOS UNIDOS COMEÇARAM A ENCOLHER

    EDITORIAL  DA GAZETA PERNAMBUCANA  –    Há momentos na história de uma nação em que suas escolhas revelam não apenas o rumo político que está tomando, mas a profundidade — ou a superficialidade — de sua alma. A recente ofensiva do governo Donald Trump contra estudantes imigrantes em Harvard, revogando a certificação que lhes permite estudar legalmente nos Estados Unidos, é um desses momentos. Um divisor de águas. Não apenas um gesto administrativo, mas um ato simbólico devastador: a rejeição institucional ao saber, à ciência, à diversidade e à ideia mesma de que a América é — ou um dia foi — uma terra de acolhimento.

Harvard não é apenas uma universidade. É uma catedral laica do pensamento global. Fundada em 1636, muito antes de os Estados Unidos se tornarem independentes, a universidade formou líderes, pensadores, cientistas e chefes de Estado de todas as partes do planeta. Negar-lhe a presença de estudantes estrangeiros é, no fundo, negar a vocação cosmopolita da própria civilização americana. É como se o governo tivesse escolhido fechar as janelas do espírito nacional, encobrindo a luz com as cortinas espessas do medo, da intolerância e da perseguição travestida de legalidade.

Não há superpotência que se sustente sem pluralidade intelectual. O poder americano não se forjou apenas por suas armas ou seu dólar forte, mas por sua capacidade de ser palco do mundo, atraindo os melhores talentos, ideias e esperanças. Ao atacar Harvard e seus estudantes internacionais, Trump não defende a América — ele a diminui. Ele a empobrece de cérebros, a encurta de horizontes, a desvincula da história de grandeza que construiu com suor de imigrantes, mãos negras, ideias exiladas e coragem de refugiados.

A retórica de proteção nacional, utilizada para justificar tal ato, revela-se uma farsa perigosa. Estudantes estrangeiros não são ameaça à segurança, mas pontes para a paz, para o conhecimento e para a inovação. São engenheiros em formação, biólogos que estudam curas, matemáticos que traçam os algoritmos do futuro. Expulsá-los é apagar o próprio caminho por onde os EUA avançaram no último século. É como destruir o chão sob os próprios pés.

É preciso dizer, sem meias palavras: o que está em curso é um projeto de exclusão simbólica e retaliação política. O que se tenta punir não é o crime — que não existe —, mas a liberdade de pensamento. Harvard é, sim, um espaço de críticas. É da natureza de qualquer instituição acadêmica séria desafiar o poder, incomodar dogmas, pensar o impensável. E o governo Trump não suporta o pensamento. A ordem não é calar o inimigo — é calar o dissenso, o diverso, o imigrante, o outro.

Ao contrário do que tenta sustentar o populismo persecutório, imigrantes não tiram vagas de americanos, não “invadem” instituições — eles constroem conhecimento, geram inovação e sustentam, com suas mensalidades e pesquisas, boa parte da estrutura universitária do país. Harvard, MIT, Stanford, Columbia: todas dependem da circulação internacional de ideias e pessoas. Ao frear esse fluxo, o governo promove uma forma moderna de obscurantismo, tentando erguer um muro invisível entre os EUA e o mundo.

Há uma ironia dolorosa nessa história: enquanto países como Canadá, Alemanha, Reino Unido e Austrália abrem suas portas para talentos estrangeiros, os EUA — outrora farol de liberdade e progresso — optam por um fechamento regressivo. Um império que se isola está, na prática, renunciando à sua centralidade no mundo. Perseguir estudantes é um erro tático, um desastre estratégico e um desastre moral.

A história nos ensina que impérios não ruem apenas por guerras ou catástrofes econômicas. Muitas vezes ruem por dentro — pela arrogância, pela intolerância, pela recusa em continuar aprendendo com o outro.

Por isso, este editorial é um alerta. Não apenas pela injustiça cometida contra milhares de estudantes, mas pelo que ela simboliza: o abandono da ideia de que o saber é universal, e de que a verdadeira grandeza se faz com pontes, não com muros. Quando uma nação começa a temer seus estudantes, é porque já perdeu sua lição de grandeza. E talvez, tristemente, também sua vocação para o futuro.

WWW.GAZETAPERNAMBUCANA.COM