A dor do amor que se vai sabendo que não terá mais volta. Por Flávio Chaves

Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc  –  Ela ainda está viva. Talvez agora esteja atravessando uma rua qualquer, com o mesmo passo leve de antes, segurando uma sacola de padaria e o mundo inteiro dentro dos olhos. Talvez agora esteja sorrindo para alguém — mas não para mim.

A dor mais funda que eu conheço não é a da morte. É essa: a de amar alguém que ainda vive, mas já não volta mais.

Ela mora do outro lado da cidade. E às vezes, me pergunto se a cidade não cresceu só para mantê-la longe de mim. Há um mapa secreto em minha memória que ainda sabe de cor o caminho até a casa dela, embora eu nunca mais vá bater à porta. Porque há despedidas que não gritam, apenas se fecham — como janelas em dias nublados.

O que nos separa não é um muro, nem um oceano. É algo mais cruel: o silêncio das coisas não ditas, o peso do orgulho, a covardia do tempo, a dor do que poderia ter sido.

E é aí que a ausência ganha corpo. Ela não está morta. Ela está apenas… invisível para mim. Como uma carta que saiu do envelope e nunca mais foi lida. Como um nome que ainda mora na língua, mas que a boca não ousa mais chamar.

Amar alguém que está vivo — mas longe — é como viver com uma porta entreaberta dentro do peito. A gente sabe que ela não voltará, mas mesmo assim deixa a luz acesa, só por desencargo de ternura.

Não há consolo. Há cafés que esfriam sozinhos. Há músicas que doem mais quando tocam de leve. Há ruas que eu evito só para não cruzar com aquele cheiro que ainda mora na memória.

O amor não morreu. Ele apenas vive do outro lado da cidade, em silêncio. Como um livro não devolvido, como um terno e gravata guardados no fundo do armário — dobrados com cuidado, ainda com o perfume daquele abraço que não se repetirá.

E mesmo assim, mesmo sabendo de tudo, eu ainda escrevo. Ainda penso. Ainda olho a mesma hora no relógio, imaginando se talvez, naquele exato instante, do outro lado da cidade, ela também se lembre.

E se lembrar… que seja com um sorriso breve, ou com um nó discreto na garganta. Porque todo amor que foi verdade um dia, continua habitando alguma parte do mundo, mesmo que em silêncio.

Nada mais dói do que amar alguém que está tão perto no mapa e tão longe no destino. Mas nada é mais sublime do que continuar amando assim — com delicadeza, com ausência, com dignidade.

Amar mesmo sem retorno é talvez a forma mais corajosa de existir. Porque é amor que não exige, não cobra, não prende. Apenas permanece.

Permanece como vela que não apaga. Como saudade que virou abrigo. Como um coração que aprendeu a bater com mais espaço dentro — porque alguém amado, mesmo ausente, ainda vive ali.