A Soberba, a Prepotência e o Narcisismo Secam a Humildade

Durante cerimônia de entrega do Ramal do Apodi, em Cachoeira dos Índios (PB), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez uma declaração que causou espanto e repercussão imediata: “Deus deixou o sertão sem água porque sabia que eu ia ser presidente da República e ia trazer água pra cá.” A fala, proferida diante de moradores e lideranças locais, soou menos como celebração e mais como um ato de exaltação pessoal — um espetáculo de soberba, prepotência e narcisismo que afronta a memória coletiva do povo sertanejo.
Ao se colocar como figura messiânica, quase escolhida por Deus para cumprir um desígnio, Lula ultrapassou os limites do discurso político para flertar com a autodeificação. Como se séculos de sofrimento, seca, fome e abandono tivessem sido apenas um intervalo providencial à espera de sua chegada. É, no mínimo, uma leitura ofensiva da realidade e da fé de um povo que resistiu por gerações à espera de políticas públicas dignas — e não de salvadores ungidos pela própria vaidade.
Essa postura revela um traço perturbador de liderança que se alimenta da ideia de centralidade absoluta: a crença de que nada existia antes dele e que tudo de bom que acontece só se torna possível por sua vontade. É a expressão pura do narcisismo político. Pior: é a transformação de um gesto de governo em culto personalista, como se a água que chega às torneiras sertanejas estivesse contaminada pela necessidade de aplauso eterno.
A soberba e a prepotência presentes nessa fala não são apenas desvios retóricos. Elas comprometem o espírito democrático, pois subjugam a coletividade à imagem de um único indivíduo. Esquecem que obras como a transposição do Rio São Francisco resultam do trabalho de muitas mãos, muitos técnicos, muitos anos e muitos governos — inclusive com críticas e ajustes feitos por diversos setores da sociedade.
O sertão não esperou Lula para ter sede, nem Deus precisa justificar a ausência d’água com a presença de um presidente. A fé do povo nordestino é muito mais antiga e mais profunda do que qualquer mandato. E sua história não pode ser reescrita ao gosto do ego de um só homem.
O Brasil precisa de estadistas, não de vaidosos que se imaginam encarnações divinas do progresso. O que o sertão espera — e sempre esperou — é respeito, dignidade, políticas públicas contínuas e um governo que compreenda que servir é muito mais nobre do que ser adorado.