Mais que páginas, um grito lúcido contra a barbárie silenciosa
Andréa Keust, juíza no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) 6ª Região, uma das coordenadoras do projeto
Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc – A violência é um organismo mutante. A cada avanço tecnológico ou conquista social, ela muda de máscara, veste novas roupas e se esconde atrás de discursos, algoritmos, estruturas institucionais e gestos banais. Essa é a premissa que conduz o recém-lançado terceiro volume da obra “Violências: Dos Antigos Hábitos às Novas Formas”, coordenada por Andréa Keust Bandeira de Melo, Daniela Alexandre Cesário Mello e Michelle Bezerra de Melo Vilanova.
O lançamento ocorrerá no dia 7 de maio, às 18h30, na sede da OAB Pernambuco, e promete provocar importantes reflexões em torno das transformações contemporâneas da violência de gênero e suas manifestações mais sutis — porém não menos devastadoras.
Assinado por 14 autoras com formações diversas, o livro reúne 12 artigos distribuídos em mais de 200 páginas, em que o leitor é conduzido por análises criteriosas sobre agressões que não se limitam à força física. Há capítulos que tratam de assédio moral e sexual, pressões institucionais contra a maternidade, exposição digital e abandono de mães de crianças neuroatípicas — tudo entrelaçado por vivências reais, bases teóricas sólidas e um olhar atento às injustiças normalizadas.
“As violências evoluíram com a própria sociedade. Tornaram-se mais silenciosas, porém mais penetrantes. Hoje, conseguimos nomeá-las e compreender seus mecanismos”, pontua a juíza Andréa Keust, uma das coordenadoras do projeto e voz ativa no enfrentamento das desigualdades de gênero.
A obra, prefaciada pela ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, transcende o diagnóstico e se apresenta como um verdadeiro manual de enfrentamento, reunindo especialistas do Direito, da Psicologia, da Saúde e das Ciências Sociais. O objetivo é claro: não apenas narrar os horrores, mas entregar ferramentas de transformação.
Com uma linguagem que combina técnica e sensibilidade, os textos abordam, por exemplo, a realidade de mulheres demitidas por engravidarem, ou impedidas de conciliar a maternidade com suas carreiras. Há também uma análise das falhas do sistema de saúde diante das mães que precisam de apoio especializado para cuidar de seus filhos com necessidades específicas — e encontram descaso.
O livro ainda mergulha no universo das violências digitais, expondo casos em que momentos íntimos compartilhados em confiança se transformam em munição para humilhação e chantagem nas redes sociais, em um cenário marcado por vinganças passionais e apagamento moral.
A multiplicidade das abordagens é um dos grandes méritos do contexto abordado que costura suas análises com referências à poesia, mitologia, música e psicanálise. É um conteúdo que pensa, mas também sente. Que acusa, mas também propõe.
Ao reunir investigações sensíveis e rigorosas sobre as diversas faces da violência que ainda esmagam o corpo e a alma das mulheres, a obra traça um panorama contundente de um problema estrutural e persistente. Mas não se limita ao diagnóstico: propõe caminhos, oferece instrumentos, acende consciências. É um convite urgente à mobilização, ao rompimento das normalizações e à reconstrução de uma sociedade onde a igualdade não seja promessa, mas realidade viva e presente.
Mais que uma coletânea de artigos, esta obra é uma espécie de espelho que devolve à sociedade sua face mais sombria, convidando o leitor a olhar com coragem e agir com consciência.