João Morgado estará na FLIPORTO 2024 para falar sobre o autor d’Os Lusíadas

500 Anos de Camões: O Poeta, Ativista e Influenciador

  Dizemos que o português é a língua de Camões — e com certa razão. Foi ele quem deu alma própria ao idioma, afastando-o dos latinismos e da influência da língua castelhana, harmonizando a grafia e consolidando a identidade de uma língua que hoje é falada por milhões. Dizemos que Camões é o poeta português por excelência — e não sem motivo. Sua emoção lírica é incomparável, como nos versos famosos: “Erros meus, má fortuna, amor ardente…”; e sua força épica não tem igual: “Canto o peito ilustre Lusitano, a quem Neptuno e Marte obedeceram.”

No entanto, além do poeta, existem dois aspetos menos conhecido de Camões de que falarei durante a minha participação na FLIPORTO: o Camões que usava a sua arte para conseguir influências e o ativista social e político, um homem que enfrentou na pele as contradições de um império em expansão e que, longe de viver no luxo, encarou as agruras e injustiças de sua época.

O Ativista Social

Quando chegou às Índias, então parte do Império Português, Camões deparou-se com uma realidade que o incomodou profundamente: um território onde as injustiças eram constantes e evidentes. Ele chegou a escrever para um amigo em Lisboa, dizendo que aquela terra era “mãe de vilões ruins e madrasta de homens honrados.” O poeta não hesitava em criticar abertamente a corrupção dos governantes e o desprezo pelos valores cristãos, propalados na época. Em Goa, uma cidade que transbordava de ambição desmedida, surgiu na época um folheto satírico chamado “Disparates da Índia”, que ironizava o comportamento devasso dos aristocratas portugueses:

…Achareis rafeiro velho

Que se quer vender por galgo:

Diz que o dinheiro é fidalgo

Que o sangue todo ele é vermelho…”

Camões, que já era famoso por sua habilidade poética, foi imediatamente apontado como o autor, mesmo que o folheto fosse anônimo. Ele negou a autoria, mas isso de nada adiantou. Poucos tinham o talento que ele possuía para a sátira, e isso era sabido por todos. O seu espírito revolucionário também era conhecido. Assim, acabou sendo vítima da sua própria fama. Como consequência, Camões enfrentou o desagrado do vice-rei e foi punido com deportação, sendo obrigado a servir como soldado raso na Armada do Sul. Ele embarcou na Nau das Drogas, com destino a Malaca, e mais tarde navegou pelos mares da China, enfrentando o exílio e os perigos do Oriente. Contudo, terá sido por lá que iniciou a escrita d’Os Lusíadas” que lhe darão a fama imortal.

O Influenciador

Camões não foi apenas um poeta, mas também um influenciador literário e político. Em 1561, quando retornou a Goa e mais uma vez enfrentava problemas com a justiça, chegou à cidade o novo vice-rei, D. Francisco Coutinho, Conde de Redondo. Camões, que já o conhecia de Lisboa, apelou para o seu favor num gracioso memorial e foi libertado. Mas o poeta não usava sua escrita apenas em benefício próprio; ele também a utilizava para ajudar os outros. Camões escreveu um poema em honra de Garcia de Orta, solicitando ao vice-rei o apoio necessário para a publicação da obra. Este poema foi incluído no livro como parte do prefácio, e destaca o valor da obra e a importância de sua impressão:

“…vosso favor e ajuda ao grão volume,

Que, impresso à luz saindo,

Dará da Medicina um vivo lume,

E descobri-nos há segredos certos

A todos os antigos encobertos…”

Este prefácio é particularmente relevante, pois representa o primeiro poema de Camões a ser publicado em letra de imprensa, antecedendo a publicação de “Os Lusíadas” em 1572. O gesto de Camões é visto como uma manifestação de apoio a um amigo e uma prova de sua admiração pelo trabalho científico de Garcia de Orta.

O livro “Colóquios dos Simples e Drogas da Índia” foi uma obra revolucionária que trouxe novos conhecimentos para a Europa, ajudando a expandir os horizontes científicos e culturais da época. A intervenção de Camões na edição não apenas destaca a conexão entre o poeta e o círculo intelectual de Goa, mas também sublinha o papel de Camões como influenciador

e defensor da disseminação do conhecimento.

E “Os Lusíadas” é um livro poético ou político?

É esse lado mais humano e político de Camões — o poeta-ativista, o influenciador e o crítico mordaz, de que falarei durante a FLIPORTO 2024, a grande festa literária de Olinda. Terei a oportunidade de apresentar o meu romance biográfico de Camões, “O Livro do Império”. Uma narrativa que nos leva pelos caminhos da criação d’ “Os Lusíadas”, que nos revela o homem por trás da obra, aquele que moldou a língua portuguesa e a imortalizou em versos. Mas, trás uma visão sobre como um livro que critica a nobreza tem a aprovação do rei, e criticando a Igreja, tem a aprovação da Santa Inquisição. Disso falarei pessoalmente para quem quiser conhecer mais sobre Camões e descobrir o poeta que viveu, sofreu e lutou para deixar um legado eterno.

Nos vemos em Olinda!

João Morgado

Escritor

www.joaomorgado.net