Gabriel Wilhelms
Instituto Liberal
Lendo o mais recente editorial do Estadão, o primeiro pensamento que veio à minha mente foi a possibilidade de que os responsáveis pelo texto estivessem sob a influência de alguma substância alucinógena. Descartando-se a toxicidade ou a esquizofrenia, resta a “cara de pau” de quem concorreu para viabilizar o regime de autoritarismo judicial sob o qual vivemos e agora não quer dar o braço a torcer.
Pois não é que, cerca de uma semana após produzir um editorial em que tratava a modesta resposta do Congresso aos arroubos do STF como uma vingança, que falava que era falso o pretexto e necessidade de se reequilibrarem os poderes, bem como desafiava o óbvio ululante de que há ativismo judicial na corte, eles produzem uma outra peça risível cujo título estampa a ironia: “Está difícil defender o Supremo”.
“AMIGO FIEL” – Para complementar, uma semana após sugerir golpismo na resposta democrática do parlamento, falam da necessidade de “autocontenção” dos ministros.
Logo no início, para não se furtar ao papel servil, o jornal ressalva que está criticando, mas que é um amigo (ou talvez cão) fiel:
“O Estadão, recorde-se, esteve na vanguarda do apoio ao Supremo quando a Corte, de modo destemido, ajudou a desbaratar o golpismo que foi urdido pelos inconformados com a democracia durante o tenebroso mandato de Jair Bolsonaro na Presidência. Mas hoje já não há mais ameaça que justifique a excepcionalidade hermenêutica e moral que alguns dos ministros parecem reivindicar, pairando, como os deuses olímpicos, acima do bem e do mal”.
SINCERIDADE – Bom, ao menos são sinceros em admitir que são apoiadores do arbítrio desde a primeira hora.
Quanto à última sentença, vou poupar o eleitor de menoscabar sua inteligência, como faz a “elite” jornalística, sempre disposta a tratar o cidadão como uma besta quadrada, explicando o que nesse momento acredito que já é óbvio: que não havia ameaça alguma a justificar “excepcionalidades”.
Além disso, se ainda houvesse ameaça, a lei já era muito clara sobre como isso deveria ser enfrentado, isto é, com o império da lei e não com a suspensão das garantias legais.
DUAS SAÍDAS – Vejo-me obrigado a reproduzir os dois últimos parágrafos do editorial na íntegra:
“Basicamente, só há duas saídas para essa crise de confiança por que passa o Supremo há mais tempo do que seria suportável pela democracia brasileira. A primeira está em andamento no Congresso e tem o objetivo de conter a atuação do STF por meio de Propostas de Emenda à Constituição e projetos de lei. Não é a saída ideal, haja vista que implica uma politização que pode levar a resultados muito distintos – e mais perigosos – do que os esperados”.
“A outra saída é a tão ansiada autocontenção. Mas, para que se autocontenham, é óbvio, primeiro os ministros do STF precisariam admitir que erram. E, por ora, não há sinal de que Suas Excelências deixaram de confundir a toga que vestem com a Égide de Atena”.
DISPARIDADES – Vejam só, a solução por meio do Congresso, isto é, por aqueles eleitos pelo voto popular, no âmbito de duas casas legislativas que, entre deputados e senadores, somam 594 legisladores, com todo o trâmite de comissões, debates, com as dificuldades acrescidas no caso das propostas que são emendas constitucionais, que carecem de aprovação por três quintos dos membros, em dois turnos, em cada uma das casas do Congresso, tudo feito, como não poderia deixar de ser, às claras, com ampla cobertura da imprensa, essa solução não seria “ideal”.
E, pasmem, seria a ação do Congresso que geraria “politização”, como se o STF não fosse hoje uma corte que, confessadamente, atua como um poder político.
O mesmo jornal que apresenta essa bobagem é o que diz com orgulho que apoiou o estado de exceção inaugurado pelo STF para salvar a “democracia”. Ora, que democracia é essa que trata o debate pelo parlamento como não “ideal”?
AUTOCONTENÇÃO – Conclui, por fim, este veículo, que volta e meia se pretende “liberal”, que o caminho ideal é a “autocontenção” dos ministros. Imaginem a vítima de violência doméstica que se furta a buscar uma solução legal para seu infortúnio, na esperança de que amanhã, seu abusador contumaz irá se autoconter?
O país que apanhe quieto, pois não convém que o povo se manifeste nem por meio dos mandatários por ele eleitos.
O argumento de que devemos aguardar que aqueles que hipertrofiaram seus próprios poderes voluntariamente retrocedam da posição de superioridade a que se alvoraram depõe não só contra a lógica, mas contra a inteligência.