Por Flávio Chaves – Jornalista, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc
Hoje é aniversário de um dos maiores heróis da música popular brasileira, Geraldo Vandré. O homem que, por meio de sua arte, tornou-se um símbolo de resistência em tempos sombrios. Ele completa 89 anos, uma vida dedicada à música, à liberdade, e ao Brasil. Mas a trajetória de Vandré é mais que uma vida; é uma história de luta, exílio, censura, mas, acima de tudo, de amor ao povo brasileiro.
Aqui, cercado de livros, discos de vinil e filmes que contam partes da história deste país, reflito sobre esse grande guerreiro da cultura nacional. Geraldo Pedrosa de Araújo Dias, o Vandré, é mais que um nome. Ele é uma lenda. Alguém que para muitos viveu entre a linha tênue da lucidez e da loucura, mas que, ao fim, sempre soube qual era o lado certo da história.
Vandré nasceu no sertão da Paraíba, e seu coração sempre carregou o Nordeste com ele, mesmo quando se estabeleceu no Rio de Janeiro e em São Paulo. Nilce Trajan, que foi sua companheira nos primeiros anos da década de 1960, descreve-o como um homem simples, que amava o mar e as coisas de sua terra. Gostava de goiabada, de se vestir de forma casual e lembrar a infância vivida nas praias próximas de João Pessoa. Uma pessoa de contrastes, entre a simplicidade e o peso de carregar a voz de uma nação.
Suas músicas, sempre combativas, ecoaram no coração de um país sob o jugo da ditadura militar. Quando Vandré subiu ao palco para defender “Disparada” ao lado de Jair Rodrigues, no II Festival de Música Popular Brasileira da TV Record em 1966, ele não estava apenas apresentando uma canção, mas oferecendo ao público um hino de resistência. A letra de “Disparada” denunciava as desigualdades, as injustiças e o sofrimento do povo do sertão, e embora tenha sido vencedora, foi “Pra não dizer que não falei das flores” que, dois anos depois, se tornaria o estandarte da resistência contra o regime.
Mas não foram apenas seus acordes que marcaram a vida de Vandré. Em 1968, após o AI-5, sua vida tornou-se um pesadelo. A Ditadura enxergava em suas letras um perigo real. Vandré foi ameaçado, perseguido, e viu-se obrigado a deixar o Brasil, buscando refúgio no Chile e, posteriormente, na Europa. Os anos de exílio foram duros, e quando retornou ao país, o compositor não era mais o mesmo. A repressão havia deixado marcas profundas, e sua obra sofreu com a censura.
Apesar de ter se afastado dos palcos e da vida pública, seu legado continuou pulsando no coração dos brasileiros. Jorge Fernando dos Santos, autor de sua biografia não-autorizada “Vandré – O homem que disse não”, revela um artista que, mesmo com as cicatrizes do passado, jamais renunciou à sua essência. Vandré, em seu silêncio e reclusão, continua sendo aquele que, com seu canto e sua poesia, lutou por um Brasil livre, justo, e humano.
É impossível pensar em Vandré sem lembrar de suas canções que transcenderam o tempo. “Caminhando” é mais que uma música; é um grito por liberdade que ainda ecoa nas ruas e nas mentes dos que acreditam em um mundo melhor. Sua mensagem, de que “há soldados armados, amados ou não, quase todos perdidos de armas na mão”, continua tão atual quanto em 1968, e cada verso é uma lembrança de que a luta por justiça social não tem fim.
Geraldo Vandré é um homem cuja obra vai além das palavras, além das notas musicais. Ele é uma memória viva do Brasil que resistiu, do Brasil que não se curvou, e do Brasil que nunca deixou de sonhar. Parabéns, Vandré, por seus 89 anos. Você, que sempre foi mais que um artista, é um verdadeiro guerreiro da nossa cultura.
E, mesmo aqui, entre livros e discos, sua música continua me acompanhando. Ao refletir sobre sua vida, percebo que o aniversário é seu, mas o presente é nosso. A sua história nos lembra da importância de resistir, de lutar, de sonhar. Afinal, Vandré é isso: uma vida que se transformou em história, uma história que se tornou símbolo de liberdade.
Hoje, celebramos Geraldo Vandré, o bravo herói da música brasileira.