Será que o Poder Perdeu o Controle da Massa? Por Flávio Chaves

Por Flávio Chaves – Jornalista, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc       

Vivemos em uma época em que a informação se transmite a uma velocidade trepidante, fazendo-nos perguntar: o poder perdeu o controle sobre as massas? Para discutir essa questão é preciso refletir sobre a natureza do poder, da mídia e da “massa” – um termo frequentemente usado para descrever a coletividade de indivíduos na sociedade.

George Orwell, em seus escritos mais conhecidos, como 1984 e A Revolução dos Bichos, lançou um alerta sobre os riscos do controle total da informação e da manipulação em massa. Segundo o sentido crítico dado por essa citação, Orwell nos teria dito: “A massa carrega a marca, a marca mantém a mídia e a mídia controla a massa”. Essa citação resume de forma poderosa o ciclo de dominação em que a mídia, controlada por interesses políticos e econômicos, molda a percepção da realidade e, por consequência, mantém o poder sobre a sociedade.

Durante grande parte do século XX, esse modelo de controle parecia quase impenetrável. Governos e corporações controlavam as principais fontes de informação, utilizando a mídia tradicional como uma ferramenta para consolidar e perpetuar suas narrativas. A “massa” recebia passivamente as mensagens, raramente questionando sua veracidade ou origem.

Com a chegada da internet e das redes sociais, muitos acreditaram que o controle do poder sobre a massa estava em declínio. Agora, qualquer pessoa com acesso à internet pode se manifestar, compartilhar informações e mobilizar grupos. Acredita-se, então, que a era digital democratizaria a informação e que a verdade viria à tona sem os filtros pela mídia tradicional.

Contudo, Orwell nos alertaria para os perigos dessa nova realidade. O que inicialmente parecia ser uma divulgação da informação, logo se revelou um campo minado de desinformação, manipulação algorítmica e vigilância em massa. O poder, em vez de perder o controle, simplesmente adaptou suas táticas. Hoje, o que vemos, lemos e ouvimos é cuidadosamente orquestrado por algoritmos que priorizam o engajamento em vez da veracidade, e por campanhas de desinformação que buscam confundir e polarizar.

A fragmentação da mídia tradicional deu lugar a uma nova forma de controle, mais sutil e insidiosa. As redes sociais, que prometem dar voz ao povo, muitas vezes amplificam o ruído e distorcem a verdade, tornando ainda mais difícil discernir a realidade. A “massa”, que antes era manipulada por uma narrativa dominante, agora se vê perdida em um mar de informações contraditórias, onde a verdade se torna uma questão de opinião.

Nesse sentido, surge uma reflexão mais profunda: a carta de alforria da humanidade ainda não foi assinada. Ao invés de um mundo de liberdade, nós vivemos em uma realidade escravizante cada vez mais. A escravidão moderna não faz distinção de cor, país ou continente. Ela esconde-se nas formas subtis de controlo económico, social e digital.

Todos os dias, a humanidade sangra pela indiferença em favor de uma minoria – uma pequena fatia de poderosos truculentos e ambiciosos que, desqualificados e desumanos, mancham de sangue o tinteiro com o que escrevem sua narrativa de poder. Esta nova forma de escravidão é alimentada pela desigualdade, pela exploração e pela manipulação das mentes, onde o verdadeiro inimigo é a apatia e a facilidade passiva das correntes invisíveis que nos prendem.

Diante desse cenário, teríamos que compensar se o poder realmente perdeu o controle de massa ou se mudou de estratégia. A ele, Orwell mostrou que o controle da informação nunca foi tão crucial e que a luta pelo poder agora ocorre no campo da percepção. A verdade, nesse novo mundo, é maleável, manipulável, e o mass, mais do que nunca tem que estar vigilante.

A questão, então, não é apenas se o poder perdeu o controle da massa, mas sim se a massa está ciente de como está sendo controlada. Em um mundo onde as linhas que dividem a verdade e a mentira estão cada vez mais borradas, o desafio está em educar, informar e capacitar a sociedade para não cair na armadilha preparada pelo poder.

Um aviso orwelliano para os tempos modernos. Ele, Orwell, nos deixou o legado de advertências sobre os perigos do controle totalitário e da manipulação das massas. Esses perigos manifestam-se hoje de novas e complexas formas. Embora o controle da mídia possa ter se fragmentado, a luta pelo poder sobre as mentes e os corações das pessoas é agressiva, pois sempre. A massa, antes passiva, agora tem os meios de ser ativa, embora ao mesmo tempo mais vulnerável à manipulação.

A lição de Orwell continua mais atual do que nunca: o poder que controla a massa nunca desapareceu – apenas mudou de forma. A Carta da Liberdade da humanidade ainda não foi assinada, portanto depende do esforço de cada um de nós para reconhecer e resistir às novas formas de escravidão que nos cercam.