Por Fernando Castilho*
Nos últimos dez anos, o trecho da BR-101 Sul entre o entroncamento na fábrica da Vitarella, em Jaboatão dos Guararapes, e o Hospital Dom Helder Câmara, no Cabo de Santo Agostinho, viveu a transformação extraordinária na sua geografia em termos de ocupação do território entre a rodovia antiga (que corta os distritos de Prazeres e Ponte dos Carvalhos) e que une os dois municípios.
Em apenas uma década foram construídos ali, dois milhões de metros quadrados de galpões (300 mil deles em processo de construção sendo finalizada) que levaram para a região mais de 400 empresas de diversos tamanhos gerando aproximadamente 20 mil empregos e um tráfego de mais de 30 mil veículos/dia, entre eles, 10 mil caminhões que cortam as duas entradas no maior complexo logístico do Nordeste.
Curiosamente, a infraestrutura adjacente à antiga BR-101 de pista simples – onde se iniciou a ocupação industrial do Estado ao Sul da Região Metropolitana do Recife a partir da antiga Coperbo, no Cabo – e o trecho duplicado que conecta as duas entradas, em Prazeres, em Jaboatão, não recebeu qualquer investimentos em termos melhoria da infraestrutura rodoviária.
Durante esse período, entretanto, aconteceu um debate entre do governos Federal, cujo DNIT é responsável pela rodovia, o estado que se beneficia do principal destino desse tráfego em direção à Suape e as duas prefeituras que receberam a antiga rodovia federal, que não conseguiu equacionar uma solução para os problemas numa espetacular demonstração de incompetência política cujos resultados no território vão muito além da simples deterioração das pistas.
O polo de logística é um cluster consolidado. Ele atraiu grandes investimentos imobiliários. Estão atuando ali, entre outras companhias, a Cone que tem o mais moderno complexo de logística do Nordeste, com 900 mil m² de armazéns lotados e um complexo de serviços classificado com AAA; a Armazena que tem mais de 600 mil m² no território; a Log Prophets, uma companhia do grupo MRV, e o BTLG11, um fundo imobiliário de logística do BTG Pactual, além de uma dezenas de outras empresas do setor.
Também estão lá, os CD independentes de empresas como rede de supermercado Arcomix e (ainda este mês), a nova CD do Grupo Ferreira Costa. Apenas neste mês, foram inauguradas os novos CDs das plataformas de e-commerce da Amazon e do Mercado Livre, cada uma com 70 mil m2 e que sozinhas estão gerando mais 2.500 empregos cada.
Clientes globais
No Cone, estão empresas como a Unilever, Sadia, Fedex e o GPA cuja área de galpões ocupa 120 mil m2. Fora do Cone estão operadores logísticos com o JLS que opera um porto seco nas margens da antiga rodovia em Ponte dos Carvalhos.
Todo esse tráfego pesado de caminhões de até 35 toneladas se junta com milhares de motos, carros de aplicativos, veículos de pequeno e médio porte e o sistema de ônibus urbanos que transporta parte dos funcionários das empresas.
Também trafegam quase 200 ônibus sob contratação das empresas que devido ao caos do sistema viário asseguram a presença dos seus empregados nos horários de entrada e saída com fretamentos.
O resultado dessa operação desorganizada, especialmente na antiga BR-101, é um tráfego lento por estrada esburacada, com ocupação de grande parte do acostamento de até 200 carretas de carrocerias longas e proliferação de todo tipo de serviço para atendimento desse mercado, inclusive de prostituição.
Entretanto, existem serviços de qualidade para o suporte adequado do negócio. Ainda no governo Eduardo Campos, uma PPP levou ao local uma rodovia pedagiada que leva ao Complexo Portuário de Suape que acomoda a maior parte do tráfego de caminhões que diariamente entram e saem do porto. Por sua vez, o complexo da Cone Multimodal abriga sozinho 140 empresas de todos os tamanhos.
A empresa viu um novo negócio e montou um truck-center com capacidade de 500 veículos, cujos serviços permitem que uma carreta carregada fique abrigada em segurança no pátio, deslocando-se para Suape apenas quando é prevista uma janela de carga e descarga.
Segurança e limpeza
Mas fora dessa estrutura de suporte moderno – que cobra pedágio para ser usada – os serviços do truck-centar na Cone, onde os motoristas podem estar seguros junto com as cargas das empresas, o mundo real é absurdamente diferente.
Entre a rotatória da rodovia pedagiada e a fábrica da Vitarella na antiga BR 101, o que existe é um exemplo de como não ser com a presença de caminhões pesados nas proximidades das empresas donas de pequenas centrais logísticas.
É um tráfego pesado nos dois sentidos da via simples de mão dupla, onde a segurança se tornou um problema, especialmente, para caminhoneiros enquanto esperam serem carregados. E os efeitos disso são sentidos e expostos no Distrito de Ponte dos Carvalhos, um dos mais violentos na RMR.
No começo do ano, numa iniciativa do Grupo Atitude que reúne empresários e atualmente, presidido pelo empresário Halim Nagem, e o DNIT foi assinado um convênio onde a associação privada se comprometeu a contratar e pagar os projetos básicos e executivo para a construção de uma alça que vai ligar a estrada das Batalha a rodovia após a Vitarella onde de segunda a sexta se forma um congestionamento de mais de seis quilômetros.
Com esse documento (escrito sob orientação do DNIT), espera-se que ainda este ano seja aberta a licitação da obra que deve resolver o problema do retorno de dois quilômetros que centenas de ônibus e caminhões são obrigados a fazer para acessar a antiga BR-101 em Jaboatão dos Guararapes.
O Governo do Estado acompanha a ação que é resultado de uma atenção especial do Ministério dos Transportes que não existiu até 2022. A prefeitura de Jaboatão aposta na resolução do problema da alça da Vitarella, mas não tem projeto de melhorar a estrada que recebeu do DNIT e que está em péssimo estado de conservação.
A outra indicação da presença do Governo e Pernambuco foi o anúncio, pela governadora Raquel Lira, de uma licitação no valor de R$ 75 milhões para serviços emergenciais e melhorias da PE-60 que recebe mais de 40 mil veículos dia no tráfego em direção à Suape e que hoje está em estado crítico de conservação.
O caso da PE-60 é um clássico da incapacidade do Governo de Pernambuco após a gestão Eduardo Campos. Ele desejava fazer uma concessão que o seu sucessor Paulo Câmara, e agora a governadora Raquel Lira, demonstraram interesse apesar de o próprio Governo ter contratado em 2014 um projeto para a concessão da estrada que permanece engavetado após 10 anos.
A presença do governo no território está centrada no anúncio do edital do trecho sul do Arco Metropolitano entre o município de Moreno e o Hospital Dom Helder que deve ser licitado em 2025, mas sem prazo de entrega.
Entretanto, a nova estrada sem mais investimentos na qualidade da BR-101 poderá se tornar mais um complicador para o território já que vai canalizar milhares de veículos entre as BR-232 e BR-101 num sistema rodoviário hoje caótico.
Consultado sobre a situação, o Governo do Estado enviou uma nota onde informou que acompanha o trabalho de aprovação dos projetos e na indicação de ações que melhorem o trânsito no local, mesmo com a jurisdição sendo do DNIT. Mas as prefeituras do Cabo e Jaboatão também não conseguiram avançar na gestão do caos da antiga rodovia.
Cabo pede ajuda
O secretário de Infraestrutura do Cabo, Fernando Martins, revela que a Prefeitura, de fato, recebeu o trecho, mas o DNIT se isentou de toda responsabilidade deixando ao município uma estrada em péssimas condições e sem nenhum tipo de recurso para o município fazer a manutenção. A Prefeitura tentou devolvê-la e não conseguiu.
O município então tentou um convênio com o Ministério das Cidades para a restauração do trecho com o alargamento da ponte sobre o rio Jaboatão, também sem sucesso.
A restauração foi estimada em R$70 milhões, bem acima da capacidade de investimento do município. Com a promessa do apoio do ministério dos Transportes, a prefeitura está escrevendo o projeto de restauração da estrada para, de novo, pleitear recursos junto ao Ministério das Cidades na esperança de ser atendida.
A prefeitura de Jaboatão dos Guararapes informou que não tem projeto para restaurar a estrada no seu território, preferindo ajudar na construção da obra da alça da Vitarella.
Promessa de obra
Nesta sexta-feira (23), o secretário executivo do ministério dos Transportes, George Santoro, garantiu que tão logo receba o projeto patrocinado pelo Grupo Atitude, feito com supervisão do DNIT, vai incluí-lo na lista de obras direcionadas ao Estado de modo que ainda em 2025 ele possa ser licitado e dada ordem de serviço. George Santoro assegurou que existem recursos disponíveis.
Ele admitiu que a BR-101 vai precisar de investimentos em manutenção entre Prazeres, em Jaboatão, e a Charneca, no Cabo, devido a pressão que o Arco Metropolitano vai provocar em termos de fluxo vindo da BR-232. Mas lembrou que a expectativa do ministério dos Transportes é corrigir a defasagem de quatro anos onde o estado praticamente não teve recursos.
Mas o caso polo de logística da Região Metropolitana no Cabo de Santo Agostinho precisa, de fato, de uma nova abordagem multidisciplinar do governo estadual que não pode depender de um projeto doado por uma associação de empresários que operam no território.
O problema talvez esteja no fato de que as soluções propostas (Arco Metropolitano e PE-60 e rodovia pedagiada da tora do Atlântico) estejam nas extremidades do cluster que se formou sozinho sem investimento público de infraestrutura. Ou apenas com o sistema de incentivos fiscais de ICMS.
Por isso, talvez esteja na hora de uma conversa mais organizada com todos os atores presentes no território, inclusive com a presença da SDS – que hoje precisa gerenciar uma área quente de violência de tráfico de drogas em Ponte dos Carvalho.
Também precisa chegar mais próxima das prefeituras onde no território acontece a crise todo dia. No fundo, todo mundo comemora o fato de no polo logística terem sido gerados 20 mil empregos e criado um mercado de galpão que está sendo financiado sem ser diretamente pelos bancos. Mas é preciso revisá-lo.
E um bom caminho para entender o problema talvez seja ir ao Cabo num ônibus urbano, na fábrica da Solar, em Prazeres. Se possível no horário de pico.
*Colunista do Jornal do Commercio