Por Pablo Ortellado
O Globo
No último dia 30, o ex-presidente americano Donald Trump foi condenado por um tribunal de Nova York por ter fraudado registros fiscais no contexto da campanha de 2016, quando concorreu à Presidência contra Hillary Clinton (e venceu). Trump foi considerado culpado de ter pagado pelo silêncio de uma atriz pornô com quem é acusado de ter mantido relações extraconjugais e de ter fraudado registros fiscais.
O pagamento pelo silêncio em si não é ilegal, segundo a lei americana, mas Trump fraudou os registros desses gastos apresentando-os como despesas jurídicas — e isso é considerado um crime. Ele nega as relações com a atriz e alega que o julgamento é fruto de perseguição política.
IMPACTO ELEITORAL – Havia muita expectativa sobre o impacto eleitoral da condenação de Trump, que, em todos os sentidos, é inédita. Ele será o primeiro ex-presidente dos Estados Unidos a sofrer uma condenação criminal e é o primeiro condenado a concorrer à Presidência por um dos dois grandes partidos.
Uma pesquisa Reuters-Ipsos, realizada imediatamente após a condenação, mostrou que 11% dos eleitores republicanos consideravam mudar o voto. A mesma pesquisa mostrou, porém, que 34% dos republicanos se sentiam ainda mais convictos de votar no ex-presidente. A condenação provocava três vezes mais entusiasmo que hesitação.
Duas pesquisas sobre o voto para presidente foram divulgadas desde que saiu a sentença. A Reuters-Ipsos deu 41% dos votos para Biden e 39% para Trump (a pesquisa anterior à condenação dava empate, cada candidato com 40%). Outra pesquisa, da Morning Consult, deu 45% para Biden e 44% para Trump (antes da sentença, ela dava 44% para Trump e 42% para Biden).
OSCILAÇÃO MÍNIMA – Em resumo, as duas pesquisas que saíram depois do julgamento mostraram pequena vantagem para Biden, mas uma oscilação tão pequena que ficava dentro da margem de erro. O termômetro eleitoral moveu-se um pouco no sentido de Biden, mas de maneira muito, muito sutil.
Segundo o site FiveThirtyEight — agregador de pesquisas com maior credibilidade entre acadêmicos e jornalistas —, Trump segue ligeiramente na frente, com 41% das intenções de voto, ante 39,9% para Biden, vantagem que Trump mantém desde o começo do ano.
Não apenas as pesquisas sugerem que a condenação pode, surpreendentemente, ter feito mais bem que mal a Trump. As doações eleitorais também mostram um aumento expressivo de entusiasmo com o candidato republicano.
BIDEN LIDERAVA – Até abril, Biden detinha folgada vantagem no financiamento de campanha, tendo levantado US$ 195 milhões em doações, enquanto Trump havia obtido US$ 124 milhões. O Comitê Nacional Democrata (que coordena as campanhas democratas) também tinha vantagem em fundos eleitorais, com US$ 531 milhões, ante US$ 497 milhões do Comitê Nacional Republicano.
Trump, porém, fechou o mês de maio com extraordinários US$ 154 milhões em doações. Apenas nas 24 horas depois da condenação, ele conseguiu US$ 53 milhões. Para ter uma base de comparação, em abril, até então o mês de maior arrecadação, ele havia recebido metade desse valor, US$ 76 milhões.
A sentença fez as doações para Trump mais que dobrarem. Uma das vantagens da campanha de Biden era ter um fundo de campanha significativamente maior que o de Trump, mas a diferença começa a diminuir, se é que já não desapareceu.
ALEGAÇÃO VÁLIDA – O caso americano mostra que a alegação de Trump de que é perseguido politicamente cola em seu eleitorado. Ao que tudo indica, a condenação produziu muito mais entusiasmo que hesitação e perda de voto. Objetivamente, Trump oscilou negativamente nas pesquisas, dentro da margem de erro, mas Biden perdeu neste mês do julgamento toda a vantagem econômica que havia adquirido durante o ano.
O caso tem muitos paralelos com o Brasil, já que Bolsonaro também é investigado por crimes e alega sofrer perseguição política. Pesquisas de opinião e grupos focais (pesquisas qualitativas) têm mostrado que eleitores de Bolsonaro também acreditam que ele é perseguido.
Também por aqui vemos isso energizar a mobilização dos bolsonaristas que fizeram protestos de rua dezenas de vezes maiores que as manifestações dos apoiadores do governo. Aqui como lá, o tiro do enquadramento criminal pode sair pela culatra.