Por Flávio Chaves – Jornalista, escritor, poeta e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc
Sempre morei num lugar muito longe e sem nome. Um recanto escondido onde o vento sussurrava segredos antigos, e a solidão era a única companhia constante. Não havia quase ninguém por perto, apenas a ventania e, de vez em quando, alguns animais selvagens que pareciam surgir do nada, como visitantes fugazes de um sonho. Era um lugar tão isolado que até as árvores pareciam solitárias, suas copas altas murmurando uma canção melancólica, contagiando o ar com um silêncio profundo.
Os pássaros eram os únicos habitantes permanentes do meu refúgio. Viviam pelo grande terraço, onde redes pendiam das paredes, oscilando suavemente ao sabor da brisa. Eles coloriam o ambiente com suas penas vibrantes e canções matinais, quebrando o silêncio em um concerto que, de certa forma, tornava a solidão mais suportável. Suas idas e vindas eram como um relógio natural, marcando a passagem do tempo em um lugar onde os dias pareciam se arrastar interminavelmente.
Na verdade, vivia num lugar perdido, sem remetente ou destinatário. Um ponto esquecido no mapa, onde a correspondência jamais chegaria. O mundo era silencioso, um silêncio tão profundo que parecia engolir todos os sons, transformando cada ruído em um eco distante. As estações do ano, curiosamente, eram bem mais longas do que em outras partes do mundo. Se arrastavam por séculos, como se o tempo tivesse decidido fazer uma pausa, demorando-se em cada detalhe da natureza ao seu redor, mas era o caminho muito distante de se chegar.
As estradas, muitas estradas, se encontravam e desencontravam, formando um longo campo descampado. Caminhos de terra que serpenteavam por entre colinas e vales, levando a lugar nenhum em particular, apenas perpetuando a sensação de estar perdido. Essas vias eram testemunhas silenciosas da passagem do tempo, marcadas por pegadas de animais e rastros de vento, guardando memórias de dias que se mesclavam uns aos outros.
No meio desse vasto nada, havia uma casa grande de taipa. Um santuário para todas as coisas inexistentes, um abrigo para sonhos esquecidos e lembranças esmaecidas. Lá estava a minha infância, guardada como um tesouro em um baú de madeira carcomido pelo tempo. Cada canto daquela casa contava uma história, cada tijolo de barro tinha absorvido risos, lágrimas e segredos. Era um lugar onde a realidade e a imaginação se confundiam, onde os limites entre o que era e o que poderia ter sido se desvaneciam.
No coração dessa casa, uma torre imaginária se erguia. De lá, eu podia olhar para além do horizonte, vislumbrando outro mundo, talvez. Um mundo cheio de possibilidades e aventuras, tão distante quanto um sonho, mas tão real quanto a solidão ao meu redor. Era da torre que eu contemplava a vastidão do meu universo particular, um lugar onde o tempo parecia suspenso, onde a natureza reinava soberana e onde a minha alma encontrava paz.
Sempre morei num lugar muito longe e sem nome, um canto perdido no tempo e no espaço, onde a solidão era uma constante, mas onde também encontrava a liberdade. E, nesse recanto esquecido, vivia o refúgio das metáforas e um palco para os sonhos.