Michel e Anita: os brasileiros nas mãos do Hamas e da Gestapo


Roberto Vieira é médico e cronista – Jornal O PODER

Os corpos de três reféns do Hamas são encontrados no norte de Gaza. Entre as vítimas, Michel Nisenbaum, 59 anos, brasileiro que vivia em Israel desde os 18 anos. Após ignorar a família de Michel que suplicava por ajuda no resgate de Michel, o presidente Lula lamenta a morte do refém. Há 86 anos, uma brasileira foi separada dos braços da mãe nas masmorras da Gestapo com um ano de idade, sendo entregue a sua avó, Leocádia Prestes, após intensa campanha de solidariedade mundial. O governo Vargas, que havia entregado a mãe de Anita, a judia alemã Olga Benário aos nazistas, se manteve em silêncio.

Anita no Recife

Durante sete anos, Anita fica afastada do Brasil. Quando finalmente seu pai, Luiz Carlos Prestes é libertado pelo Estado Novo, Anita regressa. No dia 28 de outubro de 1945, um domingo, Anita e sua tia, Lígia Prestes, são recebidas com festa na sede do Partido Comunista do Brasil em sua seção Pernambuco, na rua Imperial. Precisamente às 20 horas, alto-falantes situados no alto do prédio anunciaram para a multidão a chegada das viajantes. Tocam o hino nacional e aplausos soam para a Constituinte. O comerciário Alfredo Richmond, secretário do Comitê Central do Partido, discursa. Dois dias antes, o Superior Tribunal Eleitoral concede registro definitivo ao partido sob alegação do relator, Sampaio Dória, de que este não oferece nenhum ponto de contato com o ‘leninismo’. O Comitê Feminino Pró-Democracia está presente e saúda a luta de todas as crenças contra o fascismo.

Getúlio Vargas

Quando Anita acorda na segunda-feira no Recife, as notícias chegadas da Capital Federal ganham as ruas. Tanques e canhões nos pontos estratégicos do Rio de Janeiro em posição de combate. O ministro José Linhares toma posse do governo. O general Góis Monteiro explica que a deposição de Getúlio é fundamental para garantir as eleições de 2 de outubro. O Departamento de Correios e Telégrafos dorme ocupado pelas tropas. Soldados ocupam a estação ferroviária. O Brigadeiro Eduardo Gomes recebe a notícia em Gravatá, sob o clima ameno da Suíça pernambucana, trocando ideias com o clínico Edgar Altino. A cordialidade da visita sendo quebrada quando indivíduos embriagados adeptos do ‘queremismo’ gritam vivas a Getúlio na rua Cleto Campelo.

Judeus no Santo Isabel

A comunidade israelita em Pernambuco realiza comício gigante no Teatro Santa Isabel. O comício busca reforçar o pedido que cruza todo o país pela revogação da entrada de judeus na Palestina pelo governo britânico. Presidida pelo Sr. Moisés Bankowski, o encontro recebe imensa participação popular, contando com discursos de Osório Borba, Aderbal Jurema e Jerônimo Gueiros. O jurista Aníbal Bruno, representante da comissão organizadora, entusiasma a todos se expressando em iídiche, idioma falado pelos judeus. Enquanto Anita e a causa judaica acordam, a família de Getúlio Vargas segue para São Borja num avião da FAB.

Michel e Anita

Pouca coisa une as histórias de Michel e Anita, exceto seu passado judeu e a completa ausência de interesse dos governos brasileiros em prestar solidariedade nos seus sofrimentos. Michel, diabético, portador de Doença de Crohn, avô de cinco netos, duas filhas e sequestrado no final do ano passado pelo Hamas, teve a mesma ajuda diplomática que Anita Leocádia Prestes nas celas da Gestapo: nenhuma. Ambos foram entregues à própria sorte. Michel aos 59 anos e Anita com 1 ano de vida. Nenhum dos dois foi esquecido por ser judeu ou por antissemitismo.

Fora do time

Ambos foram deixados para morrer por não jogarem no mesmo time de Lula e Getúlio. Para quem acompanha a cruel ironia desse mundo, Anita antes de vir ao Recife, presenciou o encontro cordial de seu pai, Luiz Carlos Prestes, com o assassino de sua mãe, Getúlio Vargas. Ao arregalar os olhos, alguém explicou a Anita que aquilo era política. E, talvez seja mesmo, tanto que Anita pareceu compreender e seguiu sua história dentro da ideologia comunista. Quanto a Michel Nisembaum, não sabemos se o amanhã reserva um abraço entre judeus e o presidente Lula. Porque se é verdade que Getúlio depois de São Borja eliminou a Gestapo de sua biografia, até agora o Hamas permanece firme e forte ao lado de Luís Inácio da Silva. Quem viver, verá…