Definição genérica de articulação golpista enfraquece muito a acusação de Moraes

Brasília – Bolsonaro realizou, em julho de 2023, reunião ministerial onde defendeu golpe de Estado. Imagem: Divulgação

Reunião sigilosa de Bolsonaro teve apenas 40 participantes

Renata Galf
Folha

Os novos elementos de prova de atos de cunho golpista do então presidente Jair Bolsonaro (PL) e de seu entorno, revelados com a Operação Tempus Veritatis da Polícia Federal na semana passada, geram controvérsia sobre qual seria o enquadramento criminal das condutas ali descritas.

Segundo a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), os fatos relatados têm materialidade dos crimes de golpe de Estado e abolição do Estado democrático de Direito. Mas especialistas consultados pela Folha divergiram entre si.

INTENÇÃO E PREPARAÇÃO – A controvérsia gira em torno da questão de quais condutas investigadas deixam de ser atos preparatórios de um crime – não puníveis – e passam a ser uma tentativa de cometê-lo.

Entre os argumentos para a nova operação, a PF apresenta mensagens que mostram que Bolsonaro discutiu com oficiais-generais das Forças Armadas a edição de um decreto golpista. E ainda que ele chegou a pedir modificações na minuta de golpe apresentada por um auxiliar, permanecendo a determinação de prisão de Moraes, que estaria sendo monitorado, e a realização de novas eleições.

Além disso, em reunião ministerial a três meses da eleição, Bolsonaro ordenou que os membros do governo divulgassem falas sobre fraude eleitoral e exortou os presentes a traçarem uma estratégia para garantir a manutenção do governo.

MAURO CID INSTRUÍA – Mensagens também mostram que Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, deu orientações em suas conversas sobre onde manifestantes golpistas deveriam fazer os seus atos.

Entre os entrevistados, há quem considere que tais episódios por si só já configurariam crime, na forma de “tentativa”, mesmo que os ataques de 8 de janeiro não tivessem ocorrido. Também há quem os veja como meros atos preparatórios para um crime que acabou não sendo colocado em prática.

O crime de golpe de Estado somente se configura quando alguém tenta depor o governo legitimamente constituído, por meio de violência ou grave ameaça. Já o crime de abolição do Estado democrático de Direito ocorre quando alguém atua com violência ou grave ameaça para tentar impedir ou restringir o exercício dos Poderes constitucionais, como, por exemplo, o livre funcionamento do Supremo.

SEM PUNIÇÃO – A lógica neste caso é que, em caso de a tentativa ser bem-sucedida, nem caberia falar em punição, porque eventual novo regime no poder não puniria a si mesmo.

Na avaliação de Davi Tangerino, advogado criminalista e professor de direito da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), as reuniões já configuram crime, ressaltando que a minuta de decreto de golpe caracterizaria grave ameaça.

“O crime é tentar abolir, ou seja, nós transformamos num crime completo a tentativa. Isso torna muito difícil a gente limpar o que é ato preparatório nesses casos”, diz ele.

ARGUMENTO INÚTIL – Ele considera difícil dizer que não houve execução das ordens de Bolsonaro, e que tudo teria se restringido a atos preparatórios, apontando por exemplo a formação dos acampamentos golpistas.

“Eu acho que o erro aqui é a gente tentar vincular a ideia de golpe apenas ao 8 de janeiro”, diz.

“Ele prova toda a intenção golpista, mas ele não era o único modo de se dar um golpe.”

NÃO HÁ CRIME – Já Luís Greco, professor de direito penal da Universidade Humboldt de Berlim, ao avaliar os elementos trazidos nesta nova decisão, como a reunião em que Bolsonaro teria discutido a minuta do decreto do golpe com militares, diz que não estariam configurados os crimes de golpe de Estado e de abolição do Estado democrático de Direito.

Isso porque, para ele, falta o início da execução desses tipos penais, dado que ambos exigem violência ou grave ameaça para sua configuração —entendimento que ele também aplica ao caso do monitoramento de Moraes.

“A reunião não é início da execução de violência ou de grave ameaça”, diz Greco. “Uma reunião para discutir uma estratégia de ação, isso é ato preparatório.” Ele entende que, a princípio, as reuniões sozinhas nunca serão tentativa destes crimes, mas que, junto com outros elementos, é possível que haja essa configuração. Ele avalia, porém, que há uma complexidade em demonstrar a causalidade entre esses atos e os ataques em Brasília.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
 – Cada cabeça, uma sentença. Mas é óbvio que “planejar” jamais poderá ser admitido como “tentar”. Por isso se diz que somente há tentativa de homicídio quando o acusado atirou, esfaqueou ou usou outra arma ou forma de praticar o assassinato. Essas denúncias pela metade enfraquecem muito a acusação.