É inquestionável que, entre os santos juninos, São João ganha disparado no quesito fama. Para ele são acesas as fogueiras e em seu nome os fogos de artifício bordam o céu. Nas delícias da festa, pamonha, milho verde e canjica premiam nosso paladar. No dia 24, em que é comemorado, muita gente fura a sandália, de tanto arrastar o pé nos forrós dos arraiais.

Longe de mim a intenção de botar fogo no parquinho do Céu. Mas, eu entendo que Antônio, que é celebrado amanhã, é o mais íntimo do povão. São João é famoso mais pela festa do que pela história sagrada. Deve parte da popularidade, portanto, a Luiz Gonzaga. Foi o Rei do Baião quem propagou os festejos que eram realizados em sua comunidade, o Araripe, ao santo padroeiro. Antes de Gonzaga não havia essa festança como conhecemos hoje. Era só umas fogueirinhas acanhadas.

Santo Antônio, por sua vez, é o campeão das simpatias. Sua imagem transita do altar católico para os arraiais juninos, assim como para os terreiros do candomblé. Nas simpatias populares, alguns devotos misturam sagrado e profano, trazendo Antônio da posição que ocupa, no plano sagrado, para a banalidade da vida cotidiana. É como se ele estivesse neste mundo e ao mesmo tempo no mundo das divindades.

Acho linda a imagem do santo, com o Menino Deus nos braços. É justamente essa imagem que alguns devotos usam para fazer uma simpatia que mostra o quanto a relação de amizade, às vezes, beira o abusivo. Consiste em “pressionar” para que Santo Antônio faça milagres.

A imagem é amarrada com barbante e guardada de cabeça para baixo, no fundo de uma gaveta. O castigo é para que ele, sofrendo, se apresse em atender o pedido. Ficará assim enquanto não for concretizado. Quando eu soube desse costume, fiquei uma arara: Santo Antônio passa a ser refém da vontade do admirador. Ora, fazer isso com meu santinho?

Outra crendice envolvendo Santo Antônio é de que é casamenteiro. Não se sabe como isso começou. Talvez porque há referências de que o santo foi um soldado português forte, percebido pelo conceito da beleza. Bonito e viril, tornou-se casamenteiro.

Há cidades onde ele é padroeiro e, pela tradição, hasteia-se amanhã, uma bandeira, em frente à igreja matriz. A moça que pegar no pau da bandeira, casa, pelo simples fato de ter pegado no pau. Assim mesmo, com duplo sentido. Essas brincadeiras, porém, não maculam a imagem sagrada. Santo Antônio faz o acesso ao mundo sagrado, mas também convive com a divertida vida profana.

O meu amigo Xico de Assis, sambista de primeira linha, me aconselhou: “Se você estiver precisando de um milagre, que pareça impossível, mas não tenha pressa de receber a graça, recorra a São Francisco. É um santo fino, muito paciente e humilde. Mas, se estiver apressado, é com Santo Antônio. Ele entende a necessidade do povão. E como sabe da urgência, recebe o pedido, carimba e despacha no mesmo dia”.

Quando eu era menino, tive um cobreiro. Anos depois, vim saber que se trata de uma herpes, causada pelo mesmo vírus da catapora. A cinta de feridas (dolorosas!!) rodeava a minha barriga. A crendice popular diz que se a cabeça e o rabo do cobreiro se encontrarem, a pessoa morre. A febre era de causar delírio. Assim, convivi com o medo da morte por vários dias.

Os remédios pareciam água. Como último recurso, minha mãe mandou chamar dona Hermínia, uma senhora que era famosa pelas rezas fortes. Dona Hermínia era prestativa, a doçura em pessoa. Ela pegou três raminhos de arruda e rezou invocando a intercessão de Santo Antônio.

Fiquei bom, no dia seguinte. Para mim, foi um milagre. Dona Hermínia, generosa e humilde, ganhou o meu respeito e carinho eternos. E eu virei devoto fervoroso do santo. Desses que se emocionam com a música de J. Velloso: “Que seria de mim, meu Deus, sem a fé em Antônio?”.

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Cícero Belmar é escritor e jornalista. Autor de contos, romances, biografias, peças de teatro e livros para crianças e jovens. Pernambucano, mora no Recife. Já ganhou duas vezes o Prêmio Literário Lucilo Varejão, da Fundação de Cultura da Prefeitura do Recife; e outras duas vezes o Prêmio de Ficção da Academia Pernambucana de Letras. É membro da Academia Pernambucana de Letras.