Foto: arquivo/Agência Brasil
O desmatamento no cerrado aumentou 14,5% entre janeiro e abril de 2023 e é o maior dos últimos cinco anos na comparação com o mesmo período. Os dados são do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Considerando apenas abril, os alertas de desmatamento foram 31% mais intensos neste ano, na comparação com 2022.
Para os ambientalistas, esses números não apenas representam uma ameaça à biodiversidade e aos povos tradicionais da região, mas também podem levar a crises mais amplas no fornecimento de recursos básicos, como água, energia e alimentos.
Rosângela Corrêa, diretora do Museu do Cerrado e professora da Universidade de Brasília, lembra que a perda da cobertura vegetal nativa provocará mais calor e seca na região.
“Um prejuízo inegável para o agronegócio, mas também para toda a população, que poderá ficar sem água. Sem cerrado, o Brasil morrerá de sede!”, alerta.
Distribuído em 14 estados e no Distrito Federal, esse bioma abriga 131.991 nascentes, segundo dados do Museu do Cerrado, e é uma das mais importantes fontes de água do país.
O ativista ambiental Nicolas Behr afirma ainda que a degradação do bioma pode afetar o fornecimento de energia em outras regiões. A bacia do Paraná, responsável pela maior parte da energia elétrica gerada no país, depende de vários rios que nascem em áreas de cerrado e, em 2021, sofreu a menor vazão já registrada. A diminuição do volume representou um risco de apagão no sistema elétrico brasileiro.
“A substituição do ecossistema que está acontecendo no cerrado pode afetar bastante o regime das chuvas, e isso aí vai impactar a produção de energia elétrica”, diz Behr.
Esponja do Brasil
Das 12 bacias hidrográficas do Brasil, 8 nascem em região de cerrado. Para os ambientalistas, a conversão generalizada das terras para a agricultura degradou o bioma e diminuiu a disponibilidade e a quantidade da água não só na savana, mas também em grandes cidades.
“Atualmente, 110 milhões de hectares do cerrado — ou seja, 49% do total — já foram destruídos e substituídos pelo cultivo extensivo de commodities agrícolas”, explica Corrêa.
Pasto para gado, cana-de-açúcar, eucalipto, soja e algodão são algumas das monoculturas que avançam na região e afetam as nascentes e os reservatórios naturais.
Museu do Cerrado
O cerrado é um mosaico de paisagens florestais, savânicas e campestres. Com raízes profundas, suas árvores atuam como esponjas, ao absorver a água da chuva para depositá-la em reservatórios subterrâneos chamadas aquíferos. Com a substituição da vegetação nativa por monoculturas, os aquíferos não recebem água e deixam de abastecer as diversas nascentes que alimentam as bacias hidrográficas. “Estou ligado ao cerrado desde criança, quando andava pescando nos rios, comendo frutas, observando a fauna. Era uma região bem selvagem, e hoje realmente está muito degradada”, comenta Behr, que é cuiabano e cresceu no norte de Mato Grosso.
Para ele, o bioma é mais agredido por ser uma vegetação rasteira, visualmente menos exuberante que as florestas. “As pessoas não querem se identificar com as árvores tortas do cerrado, que é o patinho feio da vegetação brasileira, então pensam que podem tirar, que podem destruir, porque não vale nada”, diz o ativista.
Segundo Corrêa, a maior parte da vegetação nativa atualmente se encontra em áreas privadas, o que reforça a necessidade de articulação do governo com o setor. “Os dados do Sistema de Alerta de Desmatamento do Cerrado mostram que a maior parte do desmatamento no bioma ainda ocorre em propriedades privadas. Em janeiro de 2023, 85% ficou concentrado em áreas privadas”, destaca.
O que tem sido feito?
Em nota, o MMA (Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima) informa que determinou a apuração dos alertas divulgados pelo Inpe a fim de verificar se foram desmatamentos autorizados pelas autoridades estaduais competentes. O MMA determinou também a investigação das bases legais das autorizações emitidas, bem como a ação imediata do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) nos casos de áreas desmatadas de forma irregular. De acordo com a pasta, houve aumento de 169% dos autos de infração no cerrado de janeiro a abril em relação à média na gestão anterior.
R7