BILL GATES E ZÉ CLÁUDIO

…Dinheiro, como Bill Gates, Zé Cláudio não tem. Nem vai ter, nunca. Mas dinheiro não é tudo. Tanto que Bill Gates não sabe pintar. Elas por elas. Só que, pelo menos em uma coisa, são iguais. Dentro de casa. Que, ali, nenhum deles usa sapato. Nem camisa. Só um calção indecentemente largo. E não trocam de traje para nada…

Resultado de imagem para A Princesa E O Infante    Por José Paulo Cavalcanti Filho  –  Escritor, poeta,membro da Academia Pernambucana de Letras e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade.

Lisboa. Vésperas de novo ano, vênia para tratar de temas amenos. Em razão disso, e meio por acaso, lembro William Henry Gates III. Nasceu em Seattle (Estados Unidos) e é o principal acionista da Microsoft. Fundada quando tinha 19 anos. Hoje, tem 61. E, desde os 40, passou a ser o homem mais rico do mundo. Em 2006, criou a Bill & Melinda Gates Foundation. Lá, pôs 30 bilhões de dólares. Sem contar que também conta com a grana de amigos. Como Warren Buffet. Tudo a partir de uma pergunta simples: Qual problema sou capaz de resolver com a quantidade de dinheiro que tenho? A regra deveria valer também para o Brasil. Resultado, está erradicando numerosas doenças pelo mundo. Inclusive desenvolvendo aqui, na região do Amazonas, uma vacina contra malária.
Já o pintor José Cláudio nasceu mais perto. Em Ipojuca (Pernambuco). Para ser hoje, talvez, o maior pintor do Brasil. Quando completou 71 anos, um jornalista perguntou como se sentia. Ele respondeu, na hora: 71 é desgraça. A pior coisa do mundo. Achei graça porque, sem querer, são duas frases com 7 sílabas. Na métrica das cantorias. Completei a caneta, no mesmo papel do jornal, e lhe mandei essa décima: 71 é desgraça/ A pior coisa do mundo/ Nosso corpo vagabundo/ Se arreia em qualquer praça./ Mas Zé Cláudio sua graça/ Atente ao que vou dizer/ Se alternativa é morrer/ Ir para lugar nenhum/ Pior que 71/ Na verdade é nem fazer.
Ele nunca disse que recebeu. Mas recebeu.
Bill Gates mora em Seattle. Numa casa com 60 seguranças. Enquanto Zé Cláudio, desde os anos 1960, vive em Olinda. Pendurado no Alto da Nação. Quem quiser chegar onde fica, explica o caminho de maneira simples: Minha casa fica por trás da de Abel. Quem será esse Abel?, só Deus sabe. Nas suas andanças pelo mundo, fez de (quase) tudo. E virou amigo íntimo de gente importante: Caribé, Décio Pignatari, Di Cavalcanti, Jorge Amado, Paulo Vanzolini, Pedroso D’Horta, Rebolo, os Matarazzo. Até do poeta Yevtushenko – que, na parede de sua sala recém pintada, escreveu com carvão a frase La felicidad es el sufrimiento que se cansó. Em espanhol culto, deveria ter sido que se ha cansado. Fazer o que? O russo aprendeu essa língua nas ruas quando viveu na Ilha, em 1964, redigindo o roteiro de um filme de propaganda – Soy Cuba. E fala a língua errada do povo, palavras de Bandeira (“Evocação do Recife”).
Lembro dos dois a partir de Fernando Pessoa (Bernardo Soares, no “Desassossego”). Referindo-se a Henry Ford – para ele, O milionário supremo do mundo. Como Pessoa se considerava o Super-Camões, o americano seria o Super-Rockefeller. Comparado, no texto, com o caixeiro da Praça do Ferreiro. Tudo quanto o milionário teve, este homem teve; em menor grau, é certo, mas para a sua estatura… Não há ninguém no mundo que não conheça o nome do milionário americano; mas não há ninguém na praça de Lisboa que não conheça o nome do homem que está ali almoçando. Estes homens, afinal, obtiveram tudo quanto a mão pode atingir, estendendo o braço. Variava neles o comprimento do braço; no resto eram iguais.
Dinheiro, como Bill Gates, Zé Cláudio não tem. Nem vai ter, nunca. Mas dinheiro não é tudo. Tanto que Bill Gates não sabe pintar. Elas por elas. Só que, pelo menos em uma coisa, são iguais. Dentro de casa. Que, ali, nenhum deles usa sapato. Nem camisa. Só um calção indecentemente largo. E não trocam de traje para nada. Nem para receber visitas. Ou à mesa, nas refeições. Bem visto, considerando suas realidades, são mesmo muito parecidos. E têm tudo que seus braços, mesmo variando no tamanho, podem alcançar. Qual dos dois é mais feliz? Sei não. Talvez os dois. Talvez nenhum. Mas, se tiver que escolher, aposto em Zé Cláudio.

P.S.: Bom novo ano, para todos. Agora, para descanso e alívio dos leitores, volto a escrever depois do carnaval. Se Deus permitir, é claro.

 

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