Desmascarando a “ineficiência” da Eletrobras, que foi programada para dar errado

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Charge do Cristiano Gomes

Roberto Pereira D’Araujo

Nível de reservatórios baixos, tarifas nas alturas, um mercado judicializado e inadimplente. A Eletrobras, maior geradora da América Latina, quebrada e com risco de racionamento. Como chegamos a isso? É uma história que vai muito além de problemas políticos e corrupção!

Nos anos 90, o Brasil escolheu a Inglaterra como seu espelho para o setor elétrico, inclusive com a contratação de consultores ingleses. Esse período foi pródigo em aplicar receitas genéricas. Foi uma espécie de “Onesizefitsall” no mundo energético. Como era previsível, a adoção de um modelo competitivo sobre o sistema brasileiro exigiu uma intricada adaptação, pois o sistema físico brasileiro é radicalmente distinto.

ESTRANHA METODOLOGIA – Aqui, usinas não vendem a sua própria energia, mas sim uma fração do sistema. Essa “parcela” é determinada por uma complexa e subjetiva metodologia que emite um certificado que registra a “importância da usina”, a sua “garantia física” (GF). Portanto, não podemos sequer ficar surpresos com a excentricidade de térmicas que vendem energia mesmo desligadas! Aliás, não fosse essa virtualidade, elas nem seriam construídas.

Não foi só essa bizarra mercantilização da eletricidade que foi “inaugurada”. Também vendemos 26 empresas do setor. As distribuidoras que atendem estados carentes foram empurradas sobre a Eletrobras, que foi obrigada a comprá-las. Evidente que as mais rentáveis foram todas privatizadas. Hoje, as “rejeitadas” estão sendo anunciadas pelo valor de um automóvel.

Sob essa política de privatização ampla, a Eletrobras também foi proibida de realizar investimentos previstos em planos de expansão, pois, obrigações de dispêndios poderiam desvalorizá-la. A lição veio através de uma seca média em 2001, mostrando seus efeitos: racionamento de 25% da carga, explosão de preços e inadimplência no Mercado Atacadista de Energia. Hoje, estamos quase lá.

CONSEQUÊNCIAS – Depois da penúria, sobrou o efeito de longo prazo. O consumo total do sistema se reduziu em 15%, o que equivale a um crescimento de 4 anos da demanda! Apesar dessa redução, a descontratação da Eletrobras foi mantida pelo novo governo em 2003. As hidrelétricas da empresa continuaram gerando no lugar de térmicas e liquidando cada MWh por menos R$ 10.Prejuízo certo! Ninguém pode dizer que “não sabia”, tal a obviedade.

Do outro lado, o mercado livre florescia, já que o derrame de energia quase gratuita era um convite irrecusável. O sistema criou uma prática peculiar. Um preço “spot” determinado por um modelo matemático incentivou estratégias de curto prazo, e, como não podia deixar de ser, o mercado livre não atraiu usinas para si. Na realidade, a expansão da oferta continuou capitaneada pelo mercado cativo, que, ao contrário do seu oposto, sofria aumentos de tarifas constantes.

PROJETOS DEFICITÁRIOS – Para tentar animar os investidores privados, quejá contavam com empréstimos subsidiados do BNDES, o governo, mais uma vez, convocou a Eletrobras para se associar minoritariamente em diversos projetos privados que hoje mostram ser deficitários para a empresa.

Esse efeito “carona” do mercado foi uma das causas da carga total do sistema ter perigosamente tangenciado a “garantia física” (GF) do sistema de 2009 até 2013, segundo dados da CCEE. Com cerca de 1/4 da carga total ancorado em contratos curtos e sem usinas que o suportassem, evidentemente estávamos abusando da segurança do sistema. Como disfarçar? Apesar da “garantia” no nome, houve contratação de energia de reserva! Traduzindo? Mais custos!

Em 2008, em mais uma travessura matemática típica do modelo mimetizado, um leilão deixou o mercado decidir que grande parte de térmicas contratadas seriam à base de óleo combustível e diesel. No singular sistema brasileiro, onde usinas não vendem o que geram, dado o alto custo dessas energias e o já alto nível das tarifas, “contratou-se também” o maior uso de hidráulicas. Sem surpresas, o nível médio da reserva despencou do equivalente a 4 meses de carga para menos de 1,5 meses. Como sempre, São Pedro levou a culpa.

FALSO ARGUMENTO – Tarifa nas alturas, perspectivas de aumento substancial do custo de operação e, evidentemente, maiores tarifas. O que fazer? Por sugestão da Fiesp, em 2012 o governo resolve aceitar a “tese” de que as tarifas estavam altas por conta do preço “cobrado” por usinas antigas. Apesar de valores de leilões, o assunto era alardeado como se as usinas da Eletrobras tivessem decidido esses preços.

O que fazer? Mais uma vez, a Eletrobras foi usada para “compensar” os efeitos adversos do modelo. Através de medida provisória, com uma metodologia subjetiva e incompleta, foram fixados preços 90% mais baixos às usinas com o prazo de concessão por vencer. Essa política cometeu dois brutais erros: Isentou-se da explosão tarifária todas as outras razões e anulou-se a capacidade de autofinanciamento de parte significativa dos ativos do setor.

Tarde demais! Bastaram alguns anos secos e o já conhecido decrescimento de afluências do Rio São Francisco para que, mais uma vez, o aumento do custo de operação disparasse. Agora, outro grave problema emerge da complexidade do período de “abuso”. O certificado de garantia do sistema, a base do virtual modelo mercantil vigente desde 1995, deixa evidente que sempre esteve superavaliado. Como símbolo máximo da bizarrice, hoje, com os reservatórios vazios, custos acima de R$ 700/MWh, “oficialmente” estaríamos com sobras de garantia…

DÍVIDAS BILIONÁRIAS – Sob um incrível sistema em que saldos não compensam déficit, as hidráulicas estão penduradas em dívidas bilionárias, pois não conseguem gerar a sua “garantia física” (GF), a mesma que ultrapassaram em mais de 30% no período do abuso!

Hoje, inadimplência no mercado, empresas fragilizadas, tarifas explosivas, e, pior, um déficit fiscal equivalente a mais de 20 vezes a privatização da Eletrobras.

Além das influências políticas, “ineficiências” do sistema despencaram sobre a Eletrobras. Qualquer que seja o futuro, que pelo menos fique registrado que sua fragilização é um projeto de longo prazo, multipartidário e conhecido por todos.

Roberto Pereira D’Araujo é diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético.

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