O triunfo da estupidez

Encarado de todos os ângulos, o escândalo criado em torno do homem nu no MAM prova apenas a nossa parvoíce
A criação de Adão
Por Mino Carta

Michelangelo esculpiu homens nus em mármore de Carrara, só faltava que falassem, e até Cristo ele despiu. Na abóbada da Capela Sistina contou a sua versão da criação do homem, nu, obviamente, como de hábito costuma vir ao mundo.

Não consta que museus e igrejas que expõem obras de Michelangelo, ou a mais celebrada e visitada capela do mundo, vetem a entrada do público infantil. A nudez, em lugar de escândalo, representa a vida.

A situação gerada pela instalação (instalação?) intitulada La Bête, a besta, interpretada como performance por um bailarino, provocou a intolerância fascistoide de Jair Bolsonaro e do Movimento Brasil Livre, que apoia João Doria, crocante prefeito de São Paulo.

Pelas redes sociais, passaram a acusar o Museu de Arte Moderna da capital paulista de promover a pedofilia quando uma menina de 4 ou 5 anos, levada pela mãe, foi fotografada ao interagir com o bailarino nu ao lhe tocar os pés.

No sábado 30, um grupo de duas dezenas de pessoas encenou um raivoso protesto à porta do MAM e a assessora de imprensa do museu foi socada por um manifestante aos gritos de “pedófila”.

O episódio é representativo da estupidez global, mas oferece aspectos tipicamente brasileiros na moldura da situação política, social e cultural que o País vive. Expor um corpo humano em espécie como obra de arte não passa de um equívoco monumental, de uma empulhação evidente, a qual, no entanto, não haveria de nos surpreender, como de resto, a chamada arte contemporânea em geral.

Esta arte não significa coisa alguma, mas não deveria surpreender (Foto: Reprodução)

Hoje em dia, um tubarão, felizmente morto, imerso em formol dentro de uma caixa de vidro, ou uma tela branca rasgada por uma prestimosa Gillette valem dezenas de milhões de dólares. Nunca esquecerei uma frase de Pietro Maria Bardi, criador do Masp, algo bem acima do Brasil: “A dita arte contemporânea é o refúgio dos mistificadores”.

Neste enredo, o homem nu é apenas a primeira estupidez, a segunda é de quantos acreditam tratar-se de uma obra de arte. Conceitual, dizem. Não seria, porém, a tentativa, às vezes bem-sucedida, de ofender o senso comum, nossa capacidade de enxergar e entender?Estúpida já não é a intolerância fascistoide do MBL, faz parte de uma manobra política, vestida de prepotência insuportável, mas também ardilosa. Presta-se a desviar as atenções para o plano do moralismo hipócrita e orientar o desconforto da população diante da deriva do País e da crise econômica e social para questões sem importância em nome de falsos princípios e crenças primárias.

Nada mais eficaz para Bolsonaro, e quaisquer outros que queiram percorrer o mesmo caminho, favorecidos pelo maniqueísmo reinante e pelos rancores burguesotes, a aflorar cada vez mais veementes.

Nem por isso fica excluído do círculo da estupidez quem organiza revides a Bolsonaro e ao MBL, e contra outros atos de intolerância cometidos de uns tempos para cá. Quem adentra este gramado faz o que o inimigo quer, até mobilizar para causas insignificantes aqueles que haveriam de sair às ruas contra a violência e a desfaçatez das quadrilhas no poder.

Esta é a realidade que haveria de nos indignar (Foto: [20:41, 5/10/2017] +55 15 99770-7444: Aloisio Mauricio/Fotoarena)

Tratar-se-ia, como sugeria Michel Temer com a devida pompa, de deslocar a indignação para a questão que nos aflige profundamente a todos. Mal posta, a indignação torna-se de nítida marca pequeno-burguesa para transpor, na sua incoerência, os limites do ridículo.

Ao empregar a mesóclise linhas acima, usei o condicional porque sei da confusão mental que caracteriza esta infeliz quadra da nossa história, dos clamorosos erros políticos perpetrados por quem haveria de abrir os olhos do povo, de toda uma tradição de medo e covardia, para o conforto da casa-grande, em condições de agir a seu bel-prazer.

O homem nu do MAM está instalado solidamente no beco sem saída em que fomos empurrados e sua função, a seu modo importante porque reveladora, é mostrar a nossa parvoíce. A nossa estupidez.

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