Parque do Xingu, a grande vitória de Darcy Ribeiro e dos irmãos Villas-Bôas

Orlando Villas-Bôas, com o célebre cacique Aritana

Cynara Menezes
Blog Socialista Morena

É um verdadeiro milagre que, no mundo de hoje, continue a existir algo como o Parque Indígena do Xingu, a maior reserva do gênero no planeta, com cerca de 2,5 milhões de hectares preservados em plena Amazônia e mais de 5 mil indígenas de 16 etnias, entre elas os Kamayurás, os Yawalapitís, Waurás, Kalapalos, Awetis e Ikpengs. E é um milagre também que, no retrógrado Brasil de 2017, os índios do Xingu tenham ganhado uma causa contra os que cobiçam suas terras.

Em uma derrota simbólica para os ruralistas do Mato Grosso, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira, por 7 votos a 0, que toda a área que compõe o Parque Indígena do Xingu é, comprovadamente, de “ocupação imemorial e contínua por povos originários”, não cabendo assim indenização ao Estado em decorrência da criação da área de proteção.

AÇÃO ANTIGA – Criado em 1961 por iniciativa do antropólogo Darcy Ribeiro e dos irmãos Orlando, Leonardo e Cláudio Villas-Bôas, a existência do Xingu era ameaçada por uma ação aberta havia mais de 30 anos pelo Mato Grosso, que processou a União e a Funai (Fundação Nacional do Índio) em busca de indenizações. Se o processo fosse aceito e as indenizações pagas, seria meio caminho andado para que questionassem as próprias dimensões do parque.

 

O Estado afirma na ação que teriam sido incluídas “ilicitamente” terras no perímetro do parque, já que algumas áreas na época não eram ocupadas por indígenas e seriam de posse do Mato Grosso.

“Nos termos da Constituição Federal de 1946, vigente à época da criação do ‘Parque Nacional do Xingu’, a localização permanente era condição sine qua non para a proteção da posse das terras onde se encontrassem silvícolas”, argumentou o Estado na ação.

POVOAR O PARQUE – Mas foi exatamente essa a estratégia dos irmãos Villas-Bôas na época: quando o presidente Jânio Quadros assinou o decreto autorizando a criação do parque, os Villas-Bôas deslocaram aldeias inteiras para a porção norte do Mato Grosso populações indígenas não-originárias do Alto Xingu (Ikpeng, Kaiabi, Kisêdiê, Tapayuna e Yudja). A ideia era povoar o parque e proteger o maior número possível de índios antes que o governo resolvesse voltar atrás.

“Documentos históricos e diversos estudos comprovam a existência do parque do Xingu desde épocas imemoriais, mesmo antes do decreto que o criou formalmente”, disse o ministro Marco Aurélio Mello, relator da ação. Ele também citou o laudo da perícia histórico-antropológica elabora por Rinaldo Sérgio Vieira Arruda, da UNASUS/Unifesp, que aponta que a primeira notícia referente à existência de índios Paresi (ou Parecis) na região “data de 1553, quando o soldado português Antonio Rodrigues subiu o rio Paraguai”.

Mesmo afirmando ser contrário à indenização, o ministro Gilmar Mendes, notório campeão em suspender homologações de terras indígenas, ironizou que, a se considerar a ocupação imemorial, “até a praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, deveria ser devolvida aos índios”

DECISÃO HISTÓRICA – Sete dos oito ministros do STF presentes à sessão – Marco Aurélio Mello, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber e Cármen Lúcia – negaram a indenização ao governo matogrossense no caso do Parque Indígena do Xingu e obrigaram o Estado a arcar com os custos do processo, avaliados em 100 mil reais.

A decisão do STF abrange também as Reservas Indígenas Nambikwára e Parecis, criadas em 1968, por decreto do ditador Costa e Silva, que eram objeto da mesma contestação por parte do Mato Grosso, numa segunda ação conexa também julgada nesta quarta-feira. Segundo a AGU, a decisão evita um prejuízo de 2,1 bilhões de reais ao cofres da União.

O ministro Gilmar Mendes se declarou impedido de votar na ação envolvendo o Parque do Xingu por ter atuado no processo quando integrava a AGU (Advocacia-Geral da União), mas acompanhou o relator na decisão sobre as reservas Nambikwára e Parecis.

O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3239, movida pelo DEM, que questiona o Decreto nº 4.887/2003 — que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos— foi adiado. (Com informações da Agência Brasil)

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