Esquerda brasileira dividida sobre Venezuela

Dilma diz que visão sobre país é irresponsável; setores do PT temem implicações em 2018

O Globo – Jefferson Ribeiro

O agravamento da crise política e social da Venezuela provocou fissuras na esquerda brasileira. Políticos ligados aos governos do PT, que defendem o presidente Nicolás Maduro, agora discutem se o regime vai ou não contaminar campanhas petistas de 2018. Se, por um lado, a ex-presidente Dilma Rousseff e a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), defendem abertamente o regime bolivariano, por outro, o ex-ministro da Justiça e ex-governador do Rio Grande do Sul Tarso Genro critica a falta de atualização programática do PT, que terá, segundo ele, sua imagem atrelada à da Venezuela de Maduro.

Enquanto isso, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva agora tenta não vincular seu partido ao regime bolivariano.

Em entrevista à BBC News, Dilma disse na sexta-feira que o Ocidente tem uma visão “irresponsável”sobre a crise política e social da Venezuela e que a imprensa internacional trata o país de forma “absurda”.

— Não vou culpar apenas o Maduro. Existe um conflito. É que nem o que fizeram com o Saddam Hussein. O criminoso era o Saddam Hussein. Mataram-no da forma mais bestial possível. Quando fizeram isso, destamparam a caixa de pandora e saíram todos os monstros possíveis. A ponto de armas iraquianas financiarem os terroristas do Mali. De onde saiu o EI? O Estado Islâmico saiu do fato de os EUA acharem que tinha ali uma posição democrática. E não tinha — afirmou Dilma.

Nos últimos quatro meses, a crise venezuelana deixou pelo menos 125 pessoas mortas e quatro mil feridas, além de cinco mil presos de forma arbitrária. Com muita controvérsia, uma assembleia constituinte destituiu a procuradora-geral. A prisão de prefeitos opositores continua a aumentar a quantidade de presos políticos no país. Com uma das maiores inflações do mundo — cerca de 700% ao ano — e com 81% da famílias em situação de pobreza, os venezuelanos estão fugindo. Estima-se que mais de 12 mil tenham chegado ao Brasil desde 2014.

Tarso Genro avalia que Maduro “não tinha estratégia econômica adequada” para retirar a Venezuela da dependência da renda do petróleo. Assim, para o ex-ministro, o governo não usou uma saída política para manter um mínimo de consenso e “enfrentar as desestabilizações que viriam”. Tarso diz que a associação entre o partido e o presidente venezuelano já está dada:

— A imagem do PT já está associada à do presidente Maduro, mas isso não decorre das posições que o PT assumiu no contexto atual. Vem de que o PT não conseguiu fazer um “aggiornamento” (uma atualização) programático e ideológico, para enfrentar os novos cenários pós-Lula — afirmou.

PT e PSOL se posicionaram oficialmente em apoio à eleição de uma Assembleia Constituinte, considerando que o mecanismo “reforçava a democracia” no país vizinho. Essa tendência, porém, foi contestada por alguns integrantes das duas legendas que consideraram um erro defender Maduro.

MENOS EXPOSIÇÃO

No PT, as declarações de Gleisi Hoffmann, que defendeu a convocação da Assembleia Constituinte, preocuparam Lula. Não por uma discordância com Maduro, mas porque Lula tem poucas informações confiáveis do que acontece na Venezuela, argumentou um petista próximo ao ex-presidente. Gleisi e Lula debateram o tema esta semana para evitar maior exposição do partido.

— Maduro está se isolando demais, não tem aceito os acenos para o diálogo. Então, a crítica do Lula é que não é o momento de se expor por causa da Venezuela — contou esse petista. Outros partidos de esquerda, como PSB, não se posicionaram oficialmente porque consideram que o governo Maduro não age democraticamente.

— Não é aceitável eleger uma Assembleia Constituinte para fechar o Congresso que é oposicionista — disse o ex-deputado Beto Albuquerque, um dos porta-vozes da legenda.

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