Uma rota cheia de buracos

O governo promete acelerar as privatizações para destravar os investimentos, mas a crise atinge várias concessões feitas nos últimos anos

Com a sobrevida assegurada no Planalto, pelo menos por enquanto, o presidente Michel Temer planeja destravar a agenda de reformas e privatizações. O objetivo é aprovar, até outubro, as novas regras da Previdência. Outra prioridade serão as concessões de projetos na infraestrutura. Além de não depender das votações no Congresso, o programa de obras tem efeitos mais imediatos sobre a atividade econômica, em termos de investimentos e de geração de empregos. Mas haverá muitos obstáculos até que esses empreendimentos saiam do papel, como mostram as dificuldades que envolvem grupos privados que arremataram concessões públicas.

Há quase um ano, o governo anunciou um plano para transferir para a iniciativa privada dezenas de projetos, de rodovias e aeroportos a blocos de exploração de petróleo e usinas hidrelétricas. Muitos ainda não foram sequer licitados. As dificuldades não se limitam aos projetos novos. A atual administração precisa lidar com projetos problemáticos feitos no período de Dilma Rousseff. Cinco das seis rodovias privatizadas em 2013 estão com as obras atrasadas. Os investimentos previstos nos contratos estão paralisados desde abril. Os consórcios alegam que perderam receita com a queda acentuada na demanda, um cenário pior que aquele que haviam projetado antes dos leilões. Reclamam também da redução do financiamento concedido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O governo Temer, por sua vez, com endosso do Tribunal de Contas da União, não quis atender ao pleito das empresas de estender de cinco para dez anos o prazo previsto para os investimentos em duplicação das estradas. Prefere que os trechos sejam devolvidos e novamente licitados. É um processo que pode deixar as obras paradas por anos.

Entre as concessões de rodovias realizadas em 2013, a única que manteve as obras em dia foi a da BR-050, entre Minas Gerais e Goiás, a cargo do consórcio MGO. O administrador teve uma queda de 16% no tráfego estimado em contrato, mas compensou a receita mais baixa com a redução de custos. Ainda assim, o presidente da MGO, Paulo Nunes Lopes, diz que, caso o governo decida flexibilizar o prazo para os investimentos, o consórcio vai aderir. “O movimento tem se mantido bem abaixo do esperado. Será que é necessário entregar a duplicação em prazo tão apertado, mesmo que isso pressione demais o caixa da empresa? É um debate importante que deve ser feito”, afirma o executivo.

As dificuldades não se restringem às rodovias. O consórcio que administra o Aeroporto de Viracopos, na região de Campinas, decidiu abrir mão do contrato, que iria até 2042. Vai devolver o aeroporto. A alegação foi a incapacidade financeira de continuar a cumprir com o cronograma de investimentos e de pagamento das parcelas do leilão. Viracopos foi arrematado em 2012 com ágio de 160% pelo consórcio formado pelas construtoras Triunfo e UTC, além da francesa Egis, especializada em administrar aeroportos. Os estudos do governo que serviram de base para o leilão previam que o aeroporto se tornaria o maior do país em 2023. A demanda deveria ter atingido 17,9 milhões de passageiros em 2016. Na realidade, o movimento foi de 9,3 milhões de passageiros. O consórcio investiu inicialmente 3 bilhões de reais na ampliação e na melhoria do aeroporto, o que incluiu a construção de um terminal com capacidade para atender 25 milhões de passageiros ao ano. Com a decisão de antecipação do fim do contrato, ficam suspensos os investimentos. Também pesou para a decisão do consórcio o sufoco financeiro enfrentado pela UTC, uma das primeiras construtoras que foram alvo da Operação Lava-Jato, no fim de 2014, e a Triunfo. Agora uma nova licitação deverá ser feita, sem data prevista.

Ampliar os investimentos em infraestrutura é essencial para que o Brasil recupere a capacidade de crescimento. Os últimos anos de recessão e forte crise fiscal derrubaram a taxa a níveis não vistos em décadas. Mas nem sempre foi assim. Na década de 70, o país investia em infraestrutura índices semelhantes aos vistos hoje em países asiáticos de ponta: o equivalente a 5,4% do PIB era direcionado para investimentos em energia, telecomunicações e transporte, segundo levantamento da consultoria Inter.B. Isso é comparável ao que a Índia gasta atualmente no setor. Década após década, essa fatia diminuiu no Brasil — e o crescimento minguou. No ano passado, o correspondente a apenas 1,9% do PIB foi aplicado em infraestrutura. Países latinos, como Bolívia, Costa Rica, Panamá e Peru, investem o dobro em termos porcentuais. Em números absolutos, o Brasil investiu 122 bilhões de reais em infraestrutura no ano passado, somando-se recursos públicos e privados. Parece bastante, mas isso representa um quarto do que é gasto com a Previdência. De cada 10 reais arrecadados pelo Tesouro, 9 têm destino certo, concentrados em aposentadorias e salários. Sobra pouco para infraestrutura, e essa verba é quase sempre a primeira a ser cortada em tempos de ajustes, como agora. As privatizações, portanto, seriam uma saída para ampliar os investimentos, mas os projetos acabam esbarrando em uma série de obstáculos legais e regulatórios — sem falar na corrupção pura e simples. Com raras exceções, as grandes obras de infraestrutura estão nas mãos das empresas envolvidas em operações da Polícia Federal. Essas dificuldades puseram os projetos no campo das incertezas.

Especialistas dizem que é preciso aprender com o passado. A primeira lição é preparar estudos mais realistas que equilibrem a relação entre investimento e demanda. Para Luis Souza, do escritório Souza Cescon, concessões não devem ter motivação imediata, como foi a Copa do Mundo, por se tratar de projetos de longo prazo. Eles também recomendam abrir o mercado para empreiteiras menores e investidores estrangeiros. Por fim, diminuir a participação do BNDES e de seus juros subsidiados (veja a coluna de Sérgio Lazzarini, ao lado). “Falta melhorar as condições regulatórias. Prazos absurdos para a concessão de licenciamento ambiental, por exemplo, tornam impossível a elaboração de um calendário de execução de obras”, avalia Claudio Frischtak, presidente da consultoria Inter.B. Os erros das últimas concessões não só causaram eventos como a devolução de Viracopos, mas confirmaram a máxima de que o Brasil continua a aplicar mal os poucos recursos de que dispõe. Em artigo recente, Martin Raiser, diretor do Banco Mundial, defendeu o argumento de que, em momento de aperto financeiro, a melhor estratégia é investir com eficiência: “O fator mais relevante no Brasil, atualmente, não é a falta de dinheiro, mas a necessidade de saber priorizar os projetos”. Há, de fato, um longo caminho para que a retomada dos investimentos em infraestrutura se torne realidade. Mas tirar lições dos erros passados ajudará a abreviar essa jornada.

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