Wladimir Costa: Temer no ombro e no bolso

O deputado Wladimir Costa exibe sua tatuagem de Temer (Foto:  Marco Santos/Folhapress)

O deputado Wladimir Costa exibe sua tatuagem de Temer. Ele prefere ser infame a não ser famoso (Foto: Marco Santos/Folhapress)

Flávia Tavares – Época

Há momentos em que sobram aos governos fracos apenas aliados de ocasião, aqueles que topam tudo em troca de algo. Michel Temer encontrou o seu

O que deveria ser o verde das matas está borrado. Faltam algumas das estrelas da Federação; outras estão no lugar errado. A ordem e o progresso, reduzidos a rabiscos. Essa é a visão de Brasil que o deputado federal Wladimir Costa, do Solidariedade do Pará, escolheu. No domingo (30), Wlad, como é pouco conhecido, divulgou fotos em suas redes sociais em que exibia, com um tresloucado orgulho, uma tatuagem com a bandeira do Brasil no ombro direito. Logo abaixo vem “temer”, assim, minúsculo. Também delineado porcamente, também com manchas – que o deputado diz serem permanentes, já que jura que a tatuagem é definitiva, não feita de hena como avaliaram especialistas. Para exibir a obra, Wlad desfilou do jeito da foto ao lado, sem camisa, com uma latinha de cerveja na mão e outra no bolso. Foi marcando na pele uma versão tosca do símbolo nacional que Wlad jurou lealdade ao presidente Michel Temer.

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Wlad colocou a nação para discutir a legitimidade e a duração da tatuagem em uma das semanas mais importantes da crise política recente. Na quarta-feira, a Câmara decidiria se autorizaria o Supremo Tribunal Federal a investigar o presidente Michel Temer por corrupção. Era uma votação inédita – Temer é o primeiro presidente da história a ser acusado de corrupção no exercício do cargo. Era uma votação recorrente – pouco mais de um ano atrás, a mesma Câmara decidia se o processo de impeachment da então presidente, Dilma Rousseff, deveria seguir adiante, para o Senado. Com Temer, Wlad queria protagonizar uma performance, como fizera com Dilma. Em 2016, enrolado na bandeira do Pará, fez um discurso grosseiro, no qual disse que os deputados iam “cassar o Brasil”. E soltou um rojãozinho de confetes ao final. Era o voto de número 80. Quem presidia a sessão era Eduardo Cunha, hoje preso no Paraná.

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Wlad foi um dos homens de frente na defesa de Cunha. Até que a situação do líder ficou insustentável. Wlad, então, evadiu-se rapidamente da trincheira. Na votação no Conselho de Ética, que aprovou um parecer pela cassação de Cunha, mudou de posição no último instante. (Não há relatos de que tivesse tatuado o nome de Cunha.) Apesar do histórico de traição, Temer aceitou de bom grado o empenho de Wlad na Câmara. Em fases tão críticas, os aliados dos governos somem da ribalta; preferem ficar à sombra. Nessas horas, ascendem os que topam qualquer negócio. Em geral, políticos do baixo clero que agarram com afinco a chance do protagonismo a qualquer custo. Praticam uma máxima de Roger Stone, histórico consultor republicano, adepto da guerra eleitoral suja e um dos responsáveis por um empresário chamado Donald Trump ter se candidatado a presidente dos Estados Unidos: “É melhor ser infame do que nunca ter sido famoso”. Nos estertores de Dilma Rousseff, esse papel foi desempenhado no plenário da Câmara pelo deputado Silvio Costa, do PTdoB de Pernambuco. Temer encontrou o seu Silvio Costa em Wladimir Costa.

Wlad é um dos protagonistas do estilo do Solidariedade de fazer política, que inclui molecagens como soltar roedores numa comissão, distribuir mandioca no plenário e outras práticas importadas do mundo sindical. Mas Wlad é diferente. Fez-se deputado pelo Pará a partir de uma carreira de apresentador de um programa policial de televisão. Camisa aberta no peito, narrava casos de violência e outros de apelo popular, sem se importar muito com a elegância ou as estribeiras. Em 2014, vestido de feirante para homenagear o dia da categoria, ele contou o caso de uma senhora que tinha de doar uma capivara de estimação, mas assustou-se com as intenções dos interessados. “Algumas pessoas a procuraram para comeeeer a capivara”, diz Wlad, olhar na câmera, esticando as vogais, com voz lenta e pausada. “Tacar-lhe a vara na capivara… Botar um espeto na capivara e fazer um churrasquinho.”

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Há dois meses Temer liberou a distribuição de dinheiro público para comprar sua salvação. Desde que a denúncia chegou à Câmara, ignorou a crise econômica e liberou mais de R$ 3 bilhões em emendas parlamentares. O Palácio do Jaburu, alguns andares acima de onde a conversa com Joesley Batista aconteceu, e o Palácio do Planalto viraram balcões de negócios. Ao sair de um desses encontros, Wlad deu a letra de como lidar com o presidente acuado. “A gente vem com aquela história: ‘Mas, presidente, eu gostaria de trazer demandas do estado, do município, do governo do estado’. A gente aproveita o barco e pede. Ele vê quais são os ministérios, quem pode resolver. O presidente encaminha. Faço cara de coitadinho para ele”, disse. Wlad não está nem aí para o que vão pensar. Sabe que em escala local consegue emplacar o discurso de que atua para levar dinheiro público a áreas carentes. Wlad diz ter pago R$ 1.200 na tatuagem. Ao Brasil ela custou quase R$ 5 milhões em emendas em junho. O deputado coitadinho, que ajudou a livrar o presidente dessa investigação por corrupção passiva, responde no Supremo Tribunal Federal por peculato – ele e seu irmão são acusados de embolsar dinheiro de servidores fantasmas. O relator é o ministro Edson Fachin. O mandato de Wlad está cassado desde julho de 2016 pelo Tribunal Regional Eleitoral. Como cabe recurso ao Tribunal Superior Eleitoral, ele segue em Brasília.

A tatuagem custou R$ 1.200 a Wlad, mas a fidelidade dele para salvar Temer saiu por quase R$ 5 milhões em emendas

Wlad fez tanto alarde da tatuagem no ombro, fez tanta questão de jurar que ela era verdadeira, que repórteres começaram a demandar que ele a exibisse novamente. Queriam checar o estado do Brasil de Wlad. Para uma jornalista que o intimou a mostrar o desenho, Wlad reagiu com um “para você, só se for o corpo inteiro”. (Dois colegas parlamentares, constrangidos, pediram desculpas por Wlad.) Enquanto os deputados decidiam o futuro de Temer, Wlad trocava mensagens com uma mulher que queria que ele mostrasse a tatuagem. Ele respondeu pedindo nudes. Um fotógrafo flagrou a linguagem chula na tela de seu celular.

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De terno cinza, camisa preta e gravata cinza-clara, num tom sobre tom meio fora de moda, Wlad deu início a seu discurso na quarta-feira, dia 2. Segurava o celular como se quisesse consultar algo que havia escrito. De cara, disse que “o PT é organização criminosa”. Foi admoestado por Rodrigo Maia, presidente da Casa: “Deputado, aqui há partidos, não organizações criminosas. Peço que o senhor não use essa palavra aqui”. Wlad prosseguiu. Depois de dizer que “quem é Temer mostra a cara e até tatua o nome aqui no ombro”, depois de chamar os oposicionistas de “imorais”, Wlad concluiu: “O Temer é um homem ético, transparente, tem história, tem hombridade, tem preparo”. Wlad ergueu um Pixuleco de Lula vestido de presidiário. Petistas, que usavam papéis colados nos ombros ironizando a tatuagem de Wlad, perderam a calma. Um deles esvaziou o Pixuleco a dentadas. Temer ficou livre da investigação com 263 votos. A versão de Brasil de Wlad venceu. Como sua tatuagem, não é a versão definitiva.

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