DEPUTADO GREGÓRIO, PRESENTE!

        por Vandeck Santiago
Gregório Bezerra ganhou as eleições para deputado federal e pouco antes de assumir o mandato deparou-se com um problema: não tinha roupa adequada para tomar posse nem o dinheiro para comprar a passagem para o Rio, então capital federal. Fizera campanha com apenas uma calça e uma camisa, que ganhara de um amigo, e um par de sapatos usados, que lhe fora doado por outro. A calça, a camisa e os sapatos chegaram ao fim da campanha em estado lastimável. Os sapatos, por exemplo, estavam estourados de um lado e furados na sola.

Gregório fora preso em novembro de 1935, após o episódio que ficou conhecido como Intentona Comunista, e solto quase 10 anos depois, em abril de 1945, com a anistia concedida pelo governo Getúlio Vargas. Em 2 de dezembro de 1945 foi eleito deputado federal pelo PCB, em Pernambuco – o mais votado no Grande Recife e o segundo no estado.

Em janeiro de 1946 estava eleito, mas precisando de roupa e de passagem. E aí o que houve? O PCB era um partido cujos principais integrantes haviam acabado de sair da prisão – e, além do mais, tratava-se de um partido tradicionalmente pão-duro em termo de gastos com os seus militantes. Claro que, apesar disso, iria acabar providenciando os meios necessários para a posse e a viagem do deputado pernambucano – mas antes que isso acontece um grupo de eleitores cotizou-se, comprou a passagem e encaminhou Gregório para um bom alfaiate recifense, que lhe tirou as medidas e fez três “ternos de deputado”. Além disso, o grupo comprou três camisas, três cuecas, três pares de meia, duas gravatas e um um bom par de sapatos. Em suas memórias Gregório diz que em sua vida inteira nunca tivera tanta roupa, e de tão boa qualidade.

Não teve muito tempo para usá-las. Em maio de 1947 o Tribunal Superior Eleitoral cassou o registro do PCB. Em janeiro de 1948 Gregório e todos os parlamentares eleitos pelo partido foram cassados. Uma semana depois de cassado ele foi preso no Rio, acusado de ter incendiado um quartel do Exército – uma acusação falsa, que não resistiu ao julgamento, mas que custou dois anos e três meses de prisão para ele.

Vejam que coisa: em janeiro de 1945 Gregório está mofando na prisão. Em janeiro de 1946 está eleito deputado federal, com grande votação. Em janeiro de 1948 está cassado e preso. Esses acontecimentos, em tão curto período de tempo, mostram a gangorra que foi a vida de Gregório Bezerra – o militante político brasileiro mais torturado de nossa história, e o que passou mais tempo na prisão, cerca de 22 anos (para efeito de comparação: Nelson Mandela passou 27). Nasceu miserável (em Panelas, em 1900) e morreu pobre, em São Paulo, doente, em 23 de outubro de 1983. Deixou o exemplo de um militante inabalável em suas convicções revolucionárias e de uma vida dedicada ao que ele considerava ser o melhor para o povo.

A gangorra da vida dele teve novo impulso ontem, quando em iniciativa proposta pelo deputado Waldemar Borges, líder do PSB, a Assembleia Legislativa de Pernambuco fez ato em homenagem à restituição simbólica do seu mandato. Gregório nunca foi deputado estadual; a sessão no legislativo pernambucano entra na categoria do simbolismo do gesto. A restituição do mandato dele na Câmara Federal – e dos outros 13 deputados federais do PCB, cassados em 1948, entre eles Jorge Amado e Marighella – aconteceu em 18 de agosto do ano passado, por meio de projeto da deputada federal Jandira Feghalli (PCdoB-RJ).

O ato não implica nenhuma indenização nem pagamento de quaisquer vencimentos (a propósito, a família de Gregório nunca recebeu nenhuma reparação econômica da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, diferentemente do que aconteceu com a família de outros líderes comunistas, como Luiz Carlos Prestes e Marighella. Em agosto do ano passado o juiz federal Francisco Alves dos Santos Júnior, da 2ª Vara de Pernambuco, condenou a União a pagar R$ 1,1 milhão aos familiares dele, como indenização por danos morais. O caso ainda está na esfera judicial).

Sim, a restituição do mandato de Gregório Bezerra não tem desdobramentos indenizatórios, mas seu caráter simbólico não tem preço. Faz a correção de um erro histórico e serve de alerta às novas gerações para que nossas divergências não sejam resolvidas tentando calar quem pensa diferente de nós.

Foto: #EmFoco
DEPUTADO GREGÓRIO, PRESENTE!
por Vandeck santiago

Gregório Bezerra ganhou as eleições para deputado federal e pouco antes de assumir o mandato deparou-se com um problema: não tinha roupa adequada para tomar posse nem o dinheiro para comprar a passagem para o Rio, então capital federal. Fizera campanha com apenas uma calça e uma camisa, que ganhara de um amigo, e um par de sapatos usados, que lhe fora doado por outro. A calça, a camisa e os sapatos chegaram ao fim da campanha em estado lastimável. Os sapatos, por exemplo, estavam estourados de um lado e furados na sola. 

Gregório fora preso em novembro de 1935, após o episódio que ficou conhecido como Intentona Comunista, e solto quase 10 anos depois, em abril de 1945, com a anistia concedida pelo governo Getúlio Vargas. Em 2 de dezembro de 1945 foi eleito deputado federal pelo PCB, em Pernambuco - o mais votado no Grande Recife e o segundo no estado. 

Em janeiro de 1946 estava eleito, mas precisando de roupa e de passagem. E aí o que houve? O PCB era um partido cujos principais integrantes haviam acabado de sair da prisão - e, além do mais, tratava-se de um partido tradicionalmente pão-duro em termo de gastos com os seus militantes. Claro que, apesar disso, iria acabar providenciando os meios necessários para a posse e a viagem do deputado pernambucano - mas antes que isso acontece um grupo de eleitores cotizou-se, comprou a passagem e encaminhou Gregório para um bom alfaiate recifense, que lhe tirou as medidas e fez três “ternos de deputado”. Além disso, o grupo comprou três camisas, três cuecas, três pares de meia, duas gravatas e um um bom par de sapatos. Em suas memórias Gregório diz que em sua vida inteira nunca tivera tanta roupa, e de tão boa qualidade.

Não teve muito tempo para usá-las. Em maio de 1947 o Tribunal Superior Eleitoral cassou o registro do PCB. Em janeiro de 1948 Gregório e todos os parlamentares eleitos pelo partido foram cassados. Uma semana depois de cassado ele foi preso no Rio, acusado de ter incendiado um quartel do Exército - uma acusação falsa, que não resistiu ao julgamento, mas que custou dois anos e três meses de prisão para ele. 

Vejam que coisa: em janeiro de 1945 Gregório está mofando na prisão. Em janeiro de 1946 está eleito deputado federal, com grande votação. Em janeiro de 1948 está cassado e preso. Esses acontecimentos, em tão curto período de tempo, mostram a gangorra que foi a vida de Gregório Bezerra - o militante político brasileiro mais torturado de nossa história, e o que passou mais tempo na prisão, cerca de 22 anos (para efeito de comparação: Nelson Mandela passou 27). Nasceu miserável (em Panelas, em 1900) e morreu pobre, em São Paulo, doente, em 23 de outubro de 1983. Deixou o exemplo de um militante inabalável em suas convicções revolucionárias e de uma vida dedicada ao que ele considerava ser o melhor para  o povo.

A gangorra da vida dele teve novo impulso ontem, quando em iniciativa proposta pelo deputado Waldemar Borges, líder do PSB, a Assembleia Legislativa de Pernambuco fez ato em homenagem à restituição simbólica do seu mandato. Gregório nunca foi deputado estadual; a sessão no legislativo pernambucano entra na categoria do simbolismo do gesto. A restituição do mandato dele na Câmara Federal - e dos outros 13 deputados federais do PCB, cassados em 1948, entre eles Jorge Amado e Marighella - aconteceu em 18 de agosto do ano passado, por meio de projeto da deputada federal Jandira Feghalli (PCdoB-RJ). 

O ato não implica nenhuma indenização nem pagamento de quaisquer vencimentos (a propósito, a família de Gregório nunca recebeu nenhuma reparação econômica da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, diferentemente do que aconteceu com a família de outros líderes comunistas, como Luiz Carlos Prestes e Marighella. Em agosto do ano passado o juiz federal Francisco Alves dos Santos Júnior, da 2ª Vara de Pernambuco, condenou a União a pagar R$ 1,1 milhão aos familiares dele, como indenização por danos morais. O caso ainda está na esfera judicial). 

Sim, a restituição do mandato de Gregório Bezerra não tem desdobramentos indenizatórios, mas seu caráter simbólico não tem preço. Faz a correção de um erro histórico e serve de alerta às novas gerações para que nossas divergências não sejam resolvidas tentando calar quem pensa diferente de nós.

fonte:DP

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