Devoção sertaneja

CRÔNICA

Por Magno Martins

São 17 horas no Sertão. Hoje é sábado. Começo a escrever esta crônica na varanda do hotel Brotas, em Afogados da Ingazeira, no meio do mato, quase um hotel-fazenda.

De onde estou, no monótono entardecer sertanejo, só ouço barulho de pássaros recolhendo-se aos seus dormitórios, formados pelas frondosas árvores de galhos ainda verdes não roubados pela seca.

Ouço o cantar tristonho da rolinha Fogo-pagou, decantada por Luiz Gonzaga. Ouço a Pinta-silva, a serenata dos pardais, que parece ensurdecedora, e o canto mais belo de todas as espécies que povoam o Sertão, o Sabiá.

Ah, Sabiá! Quanta gente já te homenageou! Roberta Miranda: “Quero uma rede preguiçosa /Pra deitar /Em minha volta sinfonia /De pardais /Cantando para /A Majestade, O Sabiá! A Majestade, O Sabiá!…”

Quem é rei na caatinga sertaneja nunca perde a majestade. Seu canto levou Gonçalves Dias a uma inspiração fenomenal: “Minha terra tem palmeiras onde canta o Sabiá, as aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá”, diz a sua eterna Canção do Exílio.

Onde estou, neste momento, cantam também galos em seus aposentos, não tão alto nem esplendoroso como cantam pela manhã proclamando aos quatro cantos do mundo a virada da folhinha do calendário.

Mas por aqui, todos os cantos são belos e ao mesmo tempo tristes. Não poderia ser diferente: o crepúsculo sertanejo é solenemente fúnebre como a valsa vienense, encobre-nos de um manto nostálgico dolorido.

A tarde cai mansamente, como se estivesse abrindo lentamente a janela da noite. Nem estrelas piscam no céu para nos dar luz. A única luz que nos apresenta, em curtos espaços de tempo, é a do vagalume, porque por aqui não há mais pirilampos.

Encantada como tudo que se encanta esta minha alma sertaneja, Nalva Aguiar fez uma canção belíssima:

“Não, não, não há seu moço /Não há, nem pode haver /Não há beleza maior /Ver o sertão amanhecer / No meu sertão tudo é tão belo /E natural /Despertar da passarada /Num sublime festival / A lua brilha dando a noite o encantamento / Parecendo uma medalha / No peito do firmamento”.

É deslumbrante o cenário predominantemente avermelhado do Sertão, onde o chão de barro racha ao sol, as margens ressecadas dos rios formam uma imagem inconfundível, com várias placas barrentas, verdadeiras obras de arte da natureza em resistência ao sol, que teima em castigar.

Sertão é xiquexique, flor de jurema, umburana, juazeiro, mandacaru e macambira, que sobrevivem às intempéries e ajudam o homem a se manter e alimentar os animais. A maldita seca racha o chão, queima a nossa pele, mas não queima a nossa esperança nem mata a nossa fé.

Por isso, nesta varanda sertaneja, faço mais uma declaração de amor ao Sertão. É bonito ver os galhos secos da caatinga ganharem contraste em meio ao céu negro iluminado pelas estrelas que já aparecem.

É bonito gotas de orvalho numa folha seca de palma. Sertão é sol ardente, rios secos que não correm mais para o mar, mas tem lua cheia para compensar. Sertão é mãe seca, enxada na mão, filho no braço, terra seca para arar.

Recorro a Luiz Gonzaga de Moura, sertanejo como eu, para encerrar.

“Procure por aí a fora/ Quem melhor que a gente canta/ Quem melhor que a gente dança / Xote, xaxado e baião / Procure no mundo uma cidade / Com a beleza e a claridade / Do luar do meu Sertão”.

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