O clamor das turbas, por Gaudêncio Torquato

 

Um zumbido ecoa forte nos ouvidos de governantes dos mais diferentes recantos do planeta, fruto de manifestações que tomam conta de praças e ruas de tradicionais centros urbanos.

Em Istambul, na Turquia, na onda de um movimento que ocorre há semanas, a multidão derruba barricadas, enfrenta a Polícia e ocupa o mais importante espaço de concentração popular, a praça Taksim, em revolta contra o governo, que pretende construir na maior área verde da capital, o Parque Gezi, um Shopping Center.

São Paulo e Rio de Janeiro são palco de movimentos que arrastam grupos dos mais variados setores da sociedade em passeatas que culminam em vandalismo.

O foco das ações mais retumbantes nas duas principais capitais do país é o protesto contra o aumento das passagens de ônibus, que mobiliza a estudantada sob bandeiras de alguns partidos (PSOL, PSTU e PCO e juventude do PT).

Mas palavras de ordem, ecos e ruídos de grupamentos diversos também se fazem ouvir pelo território, a expressar uma locução em defesa de interesses de classes, etnias, gêneros e religião, entre outras frentes.

A par das intenções explícitas de cada movimento, que lição pode se tirar da efervescência social que se expande pelos continentes e que se acentua em nossos trópicos?

 

Manifestante tenta escapar de canhão de água disparado pela polícia em Istambul. Foto: APP

 

O pano de fundo sobre o qual se projeta o cenário de movimentos populares, protestos e ondas de insatisfação deixa ver duas crises: a econômico-financeira e a política.

A primeira, deflagrada em 2008, implicou estagnação do crescimento das Nações, elevadas taxas de desemprego, alto custo dos alimentos e rebaixamento dos níveis de vida das comunidades, cuja referência mais simbólica é a fila dos sem teto em ruas de capitais charmosas (incluindo as metrópoles norte-americanas) e a escalada de desocupações de imóveis em países como Espanha e Portugal. Neste último, aliás, mais de 3 mil manifestações realizaram-se em 2012.

Na esteira da crise financeira, emergiu, em 2011, o movimento Occupy Wall Steet, em Nova Iorque, cujo escopo traduzia a inconformidade com as desigualdades, a corrupção, a influência das empresas e do dinheiro na política, bandeiras que passaram a ser desfraldadas noutras praças mundiais.

A segunda crise, a da política, tem a ver com a metáfora da panela de pressão: a válvula entupida não deixa escapar o vapor, gerando, assim, o “estouro da boiada”. Mais precisamente, a ausência de respiro democrático jogou o povo nas ruas para exigir a abertura de canais de participação política e um fim a sistemas opressores.

A avalanche tomou conta de capitais e cidades do Egito, Tunísia, Líbia, Síria e Barein, com o expressivo nome de Primavera Árabe, inaugurando um ciclo democrático que culminou com a derrubada de quatro governantes.

Cumpriram papéis relevantes nesse processo as redes eletrônicas, que propiciaram a integração de grupos da comunidade internacional.

Esses tempos de grandes carências explicam o atual estágio civilizatório da maioria das Nações. Resta lembrar, em complemento, a crise que assola a democracia representativa, que prometeu implantar (e não o fez) o ideário dos Direitos Humanos, a partir da igualdade de oportunidades entre as pessoas, o acesso de todos à justiça, o combate ao poder invisível, a transparência dos governos e a educação para a Cidadania, entre outros, como lembra Norberto Bobbio.

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