Acurácia é uma palavra feia mas muito útil em jornalismo. Significa precisão, exatidão. Há muito tempo que ela não é usada nas redações e acho mesmo que muitos dos jovens jornalistas desconhecem o seu significado.
Quando comecei minha carreira, ainda nos primórdios do falecido e saudoso Jornal da Tarde, tinha um clássico chefe de reportagem parecido com aqueles personagens que encarnam o jornalismo heróico e nascente nos velhos faroestes. Algo como Dutton Peabody (foto), o personagem de “O Homem que Matou o Facínora”.
Chamava-se Ulysses Alves de Souza – apelido Uru – e morreu em 2011, aos 78 anos, ainda trabalhando, no “Cruzeiro do Sul” de Sorocaba.
Uru tinha uma fórmula especial para adestrar os focas (para quem não sabe, jornalistas principiantes) que caiam na sua mão.
Mandava o foca redigir um texto e depois de lê-lo dizia invariavelmente ao seu autor: “Não serve nem para jogar no lixo. Reescreve”. O aprendiz suava sangue, reescrevia e entregava de novo para o Uru. E ele: “Agora, sim, serve para jogar no lixo”. Amassava e jogava.
Os arroubos de Ulysses não eram exercícios de literatura. Eram lições de acurácia. Ele amassava e jogava textos no lixo porque faltavam nele informações precisas.
O jornalismo de hoje faria muito mal ao fígado de Ulysses. Preguiçoso, leniente, incompleto, contenta-se no máximo em colocar uma opinião a favor de alguma coisa ao lado de uma opinião contra alguma coisa e estamos conversados.
O jornalismo facilitário e declaratório inclui a opção pela lei do menor esforço da simplificação, da banalização e da gratuidade conceitual.
Assim, opta-se por chamar um programa público de assistência ao viciado de “bolsa crack”, porque é fácil, não obriga a pensar e não importa se embute nele um juízo de valor equivocado.
Trata-se a política de “austeridade” adotada por países da Europa como um mal em si mesmo, demonizando a palavra e dando-lhe a conotação de uma blasfêmia social, sem levar em conta as causas que produziram o efeito que se pretende combater.
Nos debates legislativos, apelida-se uma proposta complexa e sofisticada que mexe com a normatização da relação psicólogo-paciente de “cura gay”, e isso acaba virando rótulo de identificação de origem, ainda que não tenha nenhuma relação com a verdade.
O conflito Legislativo x STF por conta de propostas que mudam a relação entre poderes é abordado só pelo lado que se passa em cima do ringue sem que ninguém se preocupe em explicar o que está em jogo e quais são os antecedentes históricos de liminares, PECs, projetos ,etc.
Com esse jornalismo,que prefere a lenda à realidade, nunca saberemos quem foi que matou o facínora.
Sandro Vaia é jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e diretor de Redação de “O Estado de S.Paulo”. É autor do livro “A Ilha Roubada”, (editora Barcarolla) sobre a blogueira cubana Yoani Sanchez.