As lições do Pequeno Príncipe e também da raposa que revela em segredo ao principezinho que “só se vê bem com o coração” porque “o essencial é invisível aos olhos” e, ensinando-o sobre o significado de cativar, diz que nos tornamos eternamente responsáveis por aquilo que cativamos.
Ao lado de livros como Fernão Capelo Gaivota, de Richard Bach, e O Alquimista, de Paulo Coelho, ele tornou-se um clássico dos tempos modernos e parece ter resistido às tentativas de banalização por ter sido tão citado como obra literária preferida entre as misses, garantindo seu caráter de complexidade apesar dos pesares.
Classificado geralmente como literatura infantil ou infanto-juvenil (muito pela presença das várias chaves de abertura para a imaginação), o livro vem atravessando gerações, guardando sentidos tanto para esse público quanto para adultos por sua carga filosófica, chegando a ser denominado de “livro infantil feito para adultos”. Há quem se contente argumentando que o livro guarda rico material para despertares reflexivos; há quem dele goste muito por ter tomado conhecimento dos aspectos autobiográficos nele contidos e há quem defenda ainda que a obra encerre um mito nos padrões do monomito (ou “a jornada do herói”) conceituado por Joseph Campbell.
O primeiro grupo provavelmente enxergou muitas outras reflexões além das famosas lições da raposa e, pelo caráter questionador do principezinho que escutava pouco as perguntas do piloto, mas perguntava muito, o toma por um filósofo latente. Aqui perguntamos: “Quando o mistério é impressionante demais, a gente não ousa mesmo desobedecer?”; “Quando a gente anda sempre em frente não pode mesmo ir longe?”; “É tão misterioso o país das lágrimas?”; “A linguagem é sempre fonte de mal entendidos?”. Aqui seguimos querendo enxergar carneiros através de caixas desenhadas, arrancando plantas ruins quando miúdas ainda e aprendendo a desfrutar nossas flores, mesmo cientes das suas complicações e tolices. Rezamos para não encontrar manobreiros que nos digam que os outros estão correndo atrás de nada e calamos quando pensamos que corremos o risco de chorar um pouco quando nos deixamos cativar.
O segundo grupo soube de alguma forma quem foi Antoine de Saint Exupéry, o piloto francês um tanto quanto desastrado; velho demais à época para pilotar, novo demais para morrer. Antoine não retornou de uma operação na época da Segunda Guerra Mundial e seu corpo nunca foi achado. Tinha 44 anos – o mesmo número de vezes que o príncipe diz ter contemplado o pôr do sol em dada passagem do livro. Teria previsto? Morreu como desejava? Seria o príncipe o seu próprio eu infantil, que embora compreendesse seus desenhos íntimos o causava impaciência? Nunca saberemos. Temos notícia somente de um dos acidentes que Antoine sofreu que o levou justamente ao deserto do Saara, onde teve mesmo que trabalhar muito e quase morreu de sede, apresentando delírios e alucinações ao ser encontrado por árabes à época. Teria esse episódio o inspirado? Suspeitamos…
O último grupo encontra associações nos estudos do autor de O Herói de Mil Faces que estruturou o monomito em estágios nas seções de Partida, Separação ou iniciação e Retorno (influenciando criações famosas como Star Wars e Matrix). De fato o principezinho parte, desbrava e retorna – como o faz tantos heróis que aprendemos a admirar. Ao partir, como classicamente, ele encontra oponentes e aliados. Conhece reis, vaidosos, bêbados, empresários, curiosos, velhos, geógrafos, vendedores e até uma serpente que fala por enigmas e pede que ele retorne às suas origens. Mais maduro, compreensivo com a efemeridade da rosa e ciente das delícias da água conquistada com os passos no deserto, ele regressa.
O fato é que O Pequeno Príncipe tem certamente algo a nos ensinar. Se passamos a fazer parte de algum desses grupos, de todos eles, ou de nenhum deles – isso não importa tanto se tivermos aprendido algo sobre a nossa própria existência humana.
fonte:dgc