Cadê o alfaiate da presidente Dilma?

 Em janeiro de 1954, funcionário do BancoMinas em Mantena -MG, recebi convite de um carioca, comprador de café, Felice Franco Panella, alegre, festeiro e muito prosa:

– Vamos passar uma semana no Rio de Janeiro?

– Não posso, disse eu ao Panella. O gerente não vai permitir.

-Eu falo com ele.

Dito e feito. O gerente me chamou e me instruiu de que a minha viagem/passeio serviria também para confirmar umas potocas que Panella contava, que sua família era isso, aquilo, que ele era diretor do famoso Clube do Bola Preta e outras possíveis bravatas de fanfarrão.

Fomos de carro. Na baixada fluminense entramos numa plantação de laranjas, um fazendão onde se destacava uma mansão cheia de colunas e leões de mármore.

Era a mansão do pai do meu anfitrião, grande exportador de laranjas e fornecedor dos mercados cariocas.

Pai e filho não se davam bem. Panella gastava todo o seu dinheiro ajudando o Bola Preta a se manter e proporcionar os grande bailes de carnaval e outras festividades durante o ano.

Ficamos no Flamengo, num apartamento de um casal amigo.

Num sábado, Panella me levou ao Bola Preta, cuja sede ficava no Edifício da Municipalidade, ao lado do Teatro Municipal. Era preciso fazer a ficha de convidado da diretoria.

No bar Amarelinho estava me esperando um antigo colega de Banco, Vicente Fonseca que, transferido para o Rio, morava em Copacabana, numa pensão dirigida pelo antigo jogador do Flamengo, o Bria, que tomava conta dos futuros jogadores do Mengo.

Desci do Bola Preta e fui tomar umas cervejas com o Vicente. Colocamos o papo em dia e voltei ao edifício da sede do clube.

Na porta de saída dos carros, uma segurança reforçada. Fui barrado como os demais transeuntes.

Lá do fundo, saiu uma carrão preto em direção à rua. Passou quase raspando em mim. Pude ver o seu interior. Na frente, no banco do carona, um negro alto, parrudo, de chapéu cinza.

Atrás, um senhor de idade, pequeno, de óculos, uma fisionomia meio conhecida, nos cumprimentou, uns bateram palmas e a figuraça puxou lentamente uma cortininha na janela lateral, como se a cortina de um teatro encerrasse a cena.

Ao meu lado, um carioca de avançada idade dizia para ninguém, é ele!

Fiquei curioso e lhe perguntei:

-Ele quem?

– Ora menino, você não notou que era o doutor Getúlio?

Retruquei espantado:

– O presidente Vargas? o que é que ele estava fazendo aqui?

Pacientemente o velho carioca me disse:

– Aqui no edifício existe um salão que uns falam ser uma igreja Positivista que o velho freqüenta. E também a oficina de um alfaiate, seu amigo desde que ele era ditador.  Todo sábado, quando ele não tem compromissos, não falha. Ele vem conversar com o alfaiate. Ficam  batendo papo umas três horas, sem ninguém por perto. Falam até que é o único confidente, aquele que lhe coloca a par dos acontecimentos, sem reservas ou interesses.

Nunca me esqueci desse acontecimento.  E sempre me questionei sobre o que conversavam.

Vargas era rodeado de amigos, fieis seguidores, recebia diariamente um resumo das notícias de todos os jornais brasileiros, deveria estar a par de tudo.

Hoje, já calejado e vivido, tenho as minhas conclusões e me pergunto:

– Cadê o alfaiate da Presidente Dilma…

 

José Flávio Abelha, Publicado originalmente em no blogdoabelha

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