O polêmico futuro do Cais

 

 

Foto: Alexandre Albuquerque/Algomais

 

De um espaço vazio e abandonado, o Cais José Estelita passou a ser o centro das atenções da classe média pernambucana a partir do momento em que o Consórcio Novo Recife anunciou um projeto milionário para o local. De um lado os defensores do progresso do bairro, com uso imobiliário e comercial, e do outro um grupo da sociedade que defende um uso mais público do espaço e uma ocupação urbana mais humanizada para a cidade. Com o andamento das obras atualmente nas mãos do Poder Judiciário, o futuro do Cais segue incerto, sendo as vozes contrárias cada dia mais audíveis.

 

 

Segundo o promotor de meio ambiente do Recife, Ricardo Coelho (que substituiu a promotora Belize Câmara na promotoria), as discussões dentro do Ministério Público já foram esgotadas e o tema “Novo Recife” neste momento está totalmente judicializado. Os questionamentos levantados pelo órgão são relativos ao descumprimento de legislações urbanísticas e ambientais pelo empreendimento. “Não houve disposição para celebrar um acordo pelos empresários, visando o cumprimento da legislação urbanista e ambiental. Frente a isso, propomos uma ação civil pública. A questão já saiu do âmbito do MP e está inteiramente sob controle do Poder Judiciário. Vamos recorrer até o último momento” declarou o promotor.

 

Enquanto o projeto não sai do papel, as expectativas dos recifenses para o espaço são distintas. Nas redes sociais, mais de quatro mil internautas estão envolvidos diretamente no debate só no Facebook. Cerca de 1,8 mil pessoas são contrárias à implantação do imóvel (no grupo Contra o projeto Novo Recife!) versus 2,1 mil pessoas a favor (no grupo A Favor do projeto Novo Recife – Por um Recife moderno!).

 

Os moradores e trabalhadores do bairro do São José aguardam com ansiedade pelas obras do Novo Recife. A expectativa dos vizinhos do empreendimento são principalmente da criação de empregos para a população local. “Acreditamos na sinalização deles de efetivar a cidadania com o público local, abrindo frentes de trabalho e oferecendo cursos profissionalizantes. Muitas comunidades vizinhas ao empreendimento estão abaixo da linha de pobreza”, afirma Demétrius Demétrio, coordenador geral da ONG Comunidade dos Pequenos Profetas, localizada no bairro de São José. De acordo com os empreendedores, serão gerados 6 mil empregos na fase de construção do projeto e quando o complexo estiver em operação serão contratados dois mil trabalhadores de forma permanente. Estão entre as comunidades diretamente interessadas no empreendimento o Cabanga, Coque e o próprio bairro de São José.

 

Quem também aguarda com ansiedade um novo tempo para o local é o padre José Augusto, da Igreja Matriz de São José. Morador do bairro há 42 anos, ele não acredita na intervenção do poder público no local e espera que o consórcio restaure a vida da região. “É necessário haver uma reurbanização na comunidade. A degradação atingiu todo o bairro, só tem condições de restauração a igreja e o Forte das Cinco Pontas. As ruas vizinhas foram abandonadas, servindo como lugar de prostituição e de esconderijo de marginais e usuários de drogas”, denuncia o padre.

 

Com a expectativa de recuperação da dinâmica do bairro, crescerá também a valorização imobiliária, segundo o presidente do Sindicato da Habitação de Pernambuco (Secovi-PE), Luciano Novaes. “Com a degradação do bairro não há procura. Sem demanda não há investimentos na região. Os residenciais, empresariais e hotel que serão instalados com o Novo Recife irão proporcionar um resgate daquela região para a cidade. Para quem já mora lá haverá uma valorização imobiliária, pois aquela área se tornará nobre”, defende.

 

Contraponto. Os críticos do Novo Recife não discordam que a área precisa de investimentos. Mas por se tratar de um espaço central da capital pernambucana e com uma vista privilegiada para a Bacia do Pina, há uma contundente defesa pela criação de uma nova centralidade pública para a cidade. “O projeto visa única e exclusivamente ao lucro das construtoras, sem levar em conta valores simbólicos, paisagísticos, históricos e artísticos daquela área. O grande pecado do projeto é a ausência de plano específico de urbanismo da área que viesse a integrá-lo com o já existente.

 

É preciso um diálogo com o bairro”, afirma o professor titular do Departamento de Arquitetura de urbanismo da UFPE, Tomás Lapa.

 

O professor também questiona a promessa da criação de grandes espaços verdes ao redor do empreendimento. Segundo os empresários, o empreendimento irá trazer grandes espaços verdes com ciclovias e equipamentos de lazer abertos para a população. “O bairro de São José precisa de espaços públicos. Esse projeto não trata disso, mas fala de espaços verdes, que são os jardins dos edifícios. Irá acontecer o mesmo que ocorre com as torres vizinhas ao empreendimento, onde a população não tem acesso. Hoje, numa cidade inóspita, congestionada, que não inspira segurança, não se admite fazer um urbanismo não acolhedor”, critica Lapa.

 

Outro entrave para o empreendimento é o fato do lugar ter um aspecto histórico para a cidade. O bairro recebeu no passado a segunda ferrovia urbana do Brasil, tem ainda resquícios das antigas atividades econômicas ligadas ao açúcar na cidade, além de construções como o Forte das Cinco Pontas. Um acervo em desgaste que tem um grande valor para a memória pernambucana. O consórcio afirma que consultou a Comissão Nacional de Patrimônio Histórico e que está seguindo todas as recomendações da Fundarpe para preservação das construções que estão dentro do terreno. Os empresários assumiram ainda várias ações mitigadoras em resgate à memória do bairro, como a restauração da Matriz de São José. As intervenções são consideradas ainda escassas pelos opositores do projeto.

 

Duas grandes dúvidas também circundam a cabeça dos recifenses sobre o empreendimento: os impactos na mobilidade e na ventilação da cidade. Os críticos afirmam que não existem estudos sobre os dois temas, os empresários negam. “É um projeto bastante complexo que prevê obras viárias – viadutos, novas vias, novas faixas – entre várias outras, além de toda uma nova estrutura para que não haja interferências no tráfego da região. Também foi realizado um estudo com relação à ventilação. Nele ficou constatado que os ventos predominantes são no sentido longitudinal do plano e, desta forma, não há interferências na cidade”, diz o porta-voz do Novo Recife, Jerônimo da Cunha Lima, arquiteto do projeto.

 

Entre as intervenções na mobilidade prometidas pelo consórcio está a construção de edifícios garagens e a instalação de uma ciclovia de 1,2 quilômetro. Com a preservação da malha ferroviária do local, que não faz parte do terreno do empreendimento, o bairro de São José tem ainda a possibilidade futura de receber um Veículo Leve sobre Trilhos, que poderia ligar o sistema atual até o Marco Zero.

 

fonte:RevistaAlgomais.

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