Veneza, a Bienal do impossível

  • Curador de exposição que abrirá em junho, Massimiliano Gioni diz que maior mostra do mundo é um desafio à realidade
A começar pela ideia — a de uma exposição de arte que dê conta do imaginário do mundo inteiro —, a Bienal de Veneza é “um mito impossível”, sentencia o italiano Massimiliano Gioni. Aos 40 anos, ele é o mais jovem curador à frente da mais prestigiada e antiga exposição de arte do mundo, que acontece de 1º de junho a 24 de novembro, na Itália.

Como se quisesse lembrar o público de quão impossível é a proposta, Gioni decidiu instalar, no centro da mostra, o “Palácio enciclopédico”. Trata-se da maquete de um prédio que, segundo o seu criador, o artista Marino Auriti (1891-1980), serviria para abrigar o conhecimento de toda a Humanidade. E é isso também que, segundo Gioni, se espera de uma Bienal — que guarde a expressão visual do mundo inteiro.

No caso desta 55ª edição, além de 88 pavilhões nacionais (com comitivas selecionadas pelos países de origem), na mostra principal haverá 150 artistas de 37 países. O curador optou por mesclar trabalhos de artistas menos conhecidos, como o jovem brasileiro Paulo Nazareth, consagrados, como a americana Cindy Sherman, e outros nomes que, mesmo fora do campo da arte, criaram inventos poéticos, como o “Red book” que o psiquiatra Carl Gustav Jung (1875-1961) escreveu ao longo de 16 anos.

Apesar de jovem para o cargo, Gioni diz que “experiência não é problema”: já fez cinco mostras em grande escala — a Manifesta (em 2004), a Bienal de Berlim (2006), a Trienal do New Museum (2007), a Bienal de Gwangju (2010) e, há dez anos, assinou um pavilhão da própria Bienal de Veneza. O curador que mora em Nova York desde 1999 e conserva o carregado sotaque italiano ganhou o apelido de “príncipe das artes” do “Wall Street Journal” — ele é ainda diretor associado do New Museum, em NY, da Fundação Nicola Trussardi, em Milão, e mantém uma pequena galeria, a nova-iorquina The Family Business, com o artista Maurizio Cattelan.

Em entrevista ao GLOBO, Gioni diz que o modelo que adotará na Itália (que também apareceu na última Bienal de São Paulo), de mesclar artistas de fora do circuito e consagrados, foi em grande parte inventado por ele e compara a curadoria em Veneza a uma catapora: “É melhor ter quando se é jovem”.

Sente-se pressionado por ser o mais jovem curador da história da Bienal de Veneza?

Não quero soar prepotente, mas tenho experiência. É a minha sexta exposição de grande escala. Experiência não é o problema (risos). O que é muito diferente é que se tem muita expectativa em torno da Bienal de Veneza, e o fato de eu ser o curador mais novo à frente dela faz com que as pessoas esperem mais inovações. Ser jovem me faz um pouco mais nervoso também, porque as expectativas são maiores, e uma Bienal de Veneza geralmente vem no final da carreira, e eu espero que a minha ainda não esteja acabada (risos). Um amigo meu diz que é como catapora: “É melhor ter quando se é jovem”. Eu concordo.

Como conheceu o “Palácio enciclopédico”, de Auriti, que é o modelo da sua Bienal?

Sou grande fã do American Folk Art Museum, em Nova York, e vi a obra de Auriti lá, no ano passado. Achei que seria um bom ponto de partida para Veneza. O que eu gosto é que Auriti não era um artista profissional, e essa é uma das muitas coisas que estarão na exposição. Quero mostrar que há diferentes formas de ser artista. Se você observar os últimos dois anos, verá que há um interesse crescente na relação entre os artistas de fora do circuito e os do mainstream. Você reconhece esse diálogo em grandes exposições.

O senhor também selecionou não artistas, como Carl Gustav Jung. Por quê?

Quero que o público olhe para a arte contemporânea em diálogo com outras formas de expressão visual. Se deixarmos a arte contemporânea apenas no seu lugar, vamos, então, isolá-la, enfraquecê-la e transformá-la apenas numa forma de entretenimento. Vamos acabar jogando o jogo do mercado. É claro que aprecio museus, mas há muitos museus de arte contemporânea em que a arte parece só algo bonito para o qual olhamos. E é mais complexo do que isso. Ao olhar a arte em diálogo com outras situações, ela volta a ser mais complexa e sedutora. Além dos artistas marginais, teremos vários reconhecidos, mas sempre vistos ao lado de Auriti, de Bispo do Rosário… Há muitos artistas na exposição que estão fora do mercado. Não se pode comprar uma história de Rudolf Steiner ou o manuscrito de Jung, por exemplo. É algo que me ajudou a pensar a Bienal de Veneza. Não se trata de procurar apenas artistas novos, é um desafio muito mais complicado lidar com essa plataforma.

Esse modelo de diálogo com não artistas ou nomes históricos apareceu em mostras recentes, como na última Bienal de São Paulo. É uma tendência curatorial?

É algo que venho fazendo há muitos anos. Não é novo para mim. Fiz isso no New Museum, nas bienais em que trabalhei. Para mim, é parte de um desenvolvimento coerente. Certamente isso ficou mais popular. Fico um pouco nervoso porque talvez a minha Bienal seja percebida em relação a essas outras mostras, mas não quero mudar meu estilo apenas porque ele ficou mais mainstream. Você é criticado sempre que faz algo que se torna popular (risos). Mesmo a escolha do título do “Palácio enciclopédico”… Não é exatamente uma ironia, mas um sinal de que, assim como o sonho de Auriti era impossível, a ideia de uma Bienal que cobre o mundo todo é um mito impossível, um desafio à realidade. Estou dizendo isso porque muitas pessoas assumem que a Bienal é uma espécie de “Palácio enciclopédico” onde tudo pode ser encontrado e, certamente, não é isso.

Como o senhor selecionou os três brasileiros que estarão na mostra principal (Paulo Nazareth, Tamar Guimarães e Bispo do Rosário)?

No Brasil, é claro, há muitos artistas interessantes, mas escolhi três de diferentes gerações. Bispo (1909-1989) é uma figura histórica. Tamar tem 45 anos e já está trabalhando há algum tempo, tem uma voz muito interessante. Nos trabalhos que está fazendo para a Bienal e em outros, ela tem frequentemente a ideia do invisível e do espiritual, que está na essência dessa exposição. E escolhi alguém muito jovem, como Paulo (35 anos), que lida com a posição de artista fora do circuito de forma diferente. Paulo dirige-se ao lugar de pós-colônia, com o diálogo de culturas diferentes, de estar distante desse “mundo normal”, e isso me pareceu muito apropriado no contexto do “Palácio enciclopédico”. Porque essa é também uma exposição sobre museus, e é óbvio que essa ideia de museus está conectada à colonização. O trabalho dele ajuda a lembrar o aspecto colonial dos museus.

A Bienal de Veneza tem 110 anos, e o mundo se transformou nesse tempo. O senhor acha que o modelo ainda faz sentido nos dias de hoje?

Fiz muitas bienais e, não só como curador, mas como público, muitas das minhas melhores experiências foram nelas. Então, sou um grande fã desse tipo de mostra. O fato de existirem por tanto tempo e de agora haver tantas delas pelo mundo nos ajuda a pensar em quais são nossas expectativas do que vem a ser uma Bienal.

Na sua opinião, o que vem a ser uma Bienal?

Quando se tem cem bienais, você pode pensar que uma Bienal pode ser o que você quiser. E isso é o que eu quero tentar com essa exposição, sugerir que uma Bienal não é só a nova arte contemporânea. Não sei quantas pessoas foram à última Bienal de SP (520 mil, segundo a organização), mas na Documenta, em Veneza e na Bienal de Gwangju foram 500 mil. Isso quer dizer que o público quer esses eventos, e não estou dizendo que ele esteja certo, mas esses números mostram que essas mostras ainda são capazes de criar comunidades. Isso é muito especial. Vivemos na sociedade de imagens e reproduções, e saber que tantas pessoas querem ir até um lugar para ver mais imagens e obras de arte é algo que acho extraordinário e que não vai mudar. Há um artista italiano que costuma dizer que é o público quem se expõe para a arte, e não a arte que é exposta para o público. Acho que é verdade. Se tantas pessoas ainda querem se expor para a arte, esses lugares ainda são muito significativos.

fonte:globonline

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